Karl Marx e a questão ambiental: questões e impasses atuais
Joachin Azevedo Neto
Diante dos atuais prognósticos alarmantes em torno das catástrofes climáticas e ambientais que já estamos testemunhando, é essencial nos questionarmos sobre as reações e responsabilidades que banqueiros, bilionários, especuladores, empresários do agronegócio, políticos conservadores e reacionários possuem em relação aos trágicos quadros que estamos vivenciando. O fato é que a comunidade científica internacional permanece isolada e solenemente desprezada, em seus alertas climáticos e ecológicos, por aqueles que possuem o poder de tomar decisões que poderiam, ainda dentro do possível, reverter o iminente colapso natural que se aproxima. Nesse sentido, a crítica marxista ao capitalismo industrial associada a crítica ecológica do produtivismo/utilitarismo constituem importantes e atuais ferramentas para pensarmos e colocarmos em prática alternativas viáveis visando a sustentabilidade e a continuidade da presença humana na Terra.
Karl Marx (1818-1883) foi um dos primeiros intelectuais contemporâneos a analisar a necessidade de uma religação consciente entre ser humano e natureza, quando associou a constatação não apenas de uma exploração, mas sim superexploração, dos recursos naturais pelo capitalismo industrial. Nesse sentido, o filósofo alemão anteviu que a destruição ambiental causada pela sociedade do consumo era insustentável. Nos momentos que pode esboçar melhor sua ideia de sociedade comunista, regida por imperativos igualitários e socialmente justos, o autor apostou em uma unidade entre o universo humano e a natureza por meio da fórmula: “humanismo = naturalismo”. Esse denso debate de ideias foi muito bem abordado pelo filósofo Kohei Saito na recente obra O ecossocialismo de Karl Marx (2021). De acordo com Saito, o conceito marxista clássico de “alienação”, usado de forma exaustiva em vários estudos para abordar as relações trabalhistas precárias e o processo de empobrecimento dos trabalhadores rurais e urbanos, possui fortes implicações ecológicas na medida em que está interligado também com o afastamento do ser humano moderno de suas ligações com a natureza.
Saito, portanto, pontua que a sacralização da propriedade privada foi um fator econômico, político e cultural que está diretamente associado com a destruição irracional e sistêmica da natureza que estamos acompanhando. Em termos mais simples, a nossa concepção de propriedade privada é a grande responsável pela dissolução dos laços originais entre humanidade e natureza. O jovem filósofo japonês, portanto, considera que a transformação do modo de produção capitalista em uma alternativa mais racional e justa não se efetivará somente por meio da ação política, mas do cultivo de uma nova sensibilidade que promova esse senso de pertencimento humano ao reino natural.
Levando em conta que, atualmente, é necessário um ajuste de contas com as apropriações autoritárias do pensamento de Marx, bem como o fato de que realmente uma sociedade efetivamente justa e livre precisa nivelar humanismo e naturalismo, outro jovem teórico, o francês Pierre Charbonnier, em Abundância e liberdade: uma história ambiental das ideias políticas (2021), concorda com as ideias de Marx quando o autor apontou que considerar a natureza propriedade privada foi um dos grandes erros das legislações burguesas. A leitura de Charbonnier é mais incisiva no sentido de afirmar que, dentro da tradição intelectual engajada elaborada por Marx e Engels, há uma ideia de transição e não de um completo reset nas forças produtivas. Isso significa que enquanto o liberalismo clássico valoriza a sociedade de individualistas competitivos, libertos de entraves comunitários, pensar a abolição da propriedade privada junto com o conceito de coletivismo – como estratégias concretas para a sobrevivência humana no planeta – não implica em se alinhar com concepções contrárias a autonomia. Ou seja, ironicamente, a única concepção que pode transformar a ficção de uma sociedade igualitária em realidade ecológica, no mundo atual, é a de propriedade privada.
Em uma realidade na qual a noção de propriedade privada está disposta acima das liberdades individuais e a exploração da natureza intensifica também a exploração do ser humano, essa necessidade que Saito chama de “nova sensibilidade” é nomeada por Charbonnier como “ética ambiental”. A crítica marxista da superexploração da natureza é pertinente e atual na medida em que nasceu das promessas liberais não cumpridas de emancipação dos indivíduos. Liberalismo filosófico, socialismo democrático e até mesmo o apelo conservador ao pertencimento a terra (identidade social) são forças históricas que podem fundar uma nova ecologia política. Nesse sentido, é preciso evitar o mito da natureza intocável, porque quase nada resta para se preservar e muito se sobra para se regenerar ambientalmente, além do que é preciso requalificar nossas relações de sujeitos modernos com a natureza visando unir liberdades individuais com um compromisso coletivo de forte cunho ecológico.