Juventude e trabalho precarizado com a Medida Provisória nº 1045/2021

Flávio Gonçalves de Oliveira

Renata Simões Duarte 

A Medida Provisória nº 1045, publicada no Diário Oficial da União em 27 de abril de 2021, que institui o Novo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e dispõe sobre medidas complementares para o enfrentamento das consequências da emergência de saúde pública decorrentes da covid-19, representa, na prática, o desmonte das políticas públicas para os jovens construídas nas duas últimas décadas e consagradas no Estatuto da Juventude e no Sistema Nacional de Juventude, decretados pela lei nº 12.852 e sancionados pela presidenta Dilma Rousseff, em 05 de agosto de 2013.

Apresentada à sociedade como uma das estratégias de enfrentamento aos efeitos econômicos da pandemia e de garantia de emprego e renda ao trabalhador, o instrumento em análise contribui para isentar o governo federal de sua responsabilidade na administração e gestão da crise e, mais uma vez, transfere aos trabalhadores, já vitimizados pelos efeitos econômicos da pandemia, parte do custo pela tragédia. Além da instabilidade provocada pelo fechamento de postos de trabalhos e da diminuição dos já parcos rendimentos mensais, os trabalhadores ainda foram atacados em direitos fundamentais com a redução no pagamento de horas extras, do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para quem for demitido e a flexibilização da fiscalização trabalhista. 

No caso específico da juventude, nas entrelinhas do texto da Medida, aparecem dispositivos que podem representar graves ataques às conquistas sociais alcançadas para esse segmento. Um desses ataques está camuflado no chamado Regime Especial de Trabalho Incentivado, Qualificação e Inclusão Produtiva (REQUIP) que, vendido como oportunidade de aperfeiçoamento profissional para jovens de 18 a 29 anos, representa um retrocesso nos direitos já garantidos pela juventude. Isso porque o programa extingue, entre outros deveres por parte do empregador, a obrigatoriedade do vínculo empregatício, o pagamento integral do vale transporte e inviabiliza o recolhimento previdenciário, o que torna ainda mais distante a possibilidade de aposentadoria futura para os jovens que, hoje, estão iniciando a carreira profissional. 

No lugar da remuneração salarial pelo trabalho prestado, o REQUIP prevê o chamado bônus de inclusão produtiva, pago com recursos públicos, e uma bolsa de incentivo à qualificação, paga pelo empregador, totalizando no máximo R$ 275,00. Todavia, nessa modalidade, o jovem ingressante não tem direito a férias integrais, o que foi substituído por uma espécie de recesso parcialmente remunerado. Em síntese, aos jovens que estão buscando o primeiro emprego e, consequentemente, a inserção no mercado de trabalho, se apresentam como incertos os horizontes de expectativas futuras, já que as possibilidades presentes estão sendo, constantemente, negadas ou negligenciadas pelo Estado brasileiro, fazendo com que esses sujeitos paguem um preço alto quando buscam uma oportunidade de qualificação e renda.

Assim, o que se evidencia é a emergência de uma política de precarização do trabalho juvenil, o que já ocorre com outras classes trabalhadoras, principalmente no que tange ao primeiro emprego, julgando os jovens como inexperientes e desqualificados para o exercício laboral. Por detrás dessa lógica, figuram-se a carência de oportunidades, a perversa negação de suas experiências e a ausência de reconhecimento dos jovens como sujeitos de direitos. 

Não se viu, por parte do poder público, qualquer atuação mais efetiva no sentido de encarar frontalmente o problema do já fragmentado mundo do trabalho brasileiro, quadro que se agravou com a crise pandêmica. O que se pôde notar, entretanto, foi um conjunto de medidas econômicas que cortaram investimentos nas áreas sociais sob o argumento da contenção de gastos e controle fiscal, o que vem agravando ainda mais a desigualdade social, produzindo miséria e retrocesso nos avanços legislativos obtidos. 

O ataque aos direitos trabalhistas cumpre função central no processo de acumulação capitalista e não possui a intenção de gerar empregos, mas busca o rebaixamento do custo do trabalho – os trabalhadores passam a aceitar salários mais baixos e piores condições laborais, visando à recomposição das taxas do lucro do capital. Assim, a Medida Provisória em foco não oferece nenhuma possibilidade de enfrentamento da questão. Ao contrário, é um aditivo à agudização da exclusão e desigualdade social que já existiam antes da pandemia. 

O avanço nas alterações estruturais do mercado de trabalho exige o debate urgente e medidas que freiem a exploração da classe trabalhadora, dos jovens trabalhadores. Além das articulações necessárias no âmbito do Poder Legislativo, no intuito de coibir esses ataques constantes ao que foi conquistado e de recuperar o que já foi desconfigurado, sob o pseudo argumento em torno da modernização das relações trabalhistas e do Estado brasileiro, é urgente a reorganização dos coletivos de trabalhadores, dos movimentos sociais e de juventude, das entidades estudantis e das representações de classes no sentido de tensionar o poder público para que se garanta a efetivação dos direitos sociais previstos na Constituição de 1988, entre eles, o do trabalho digno, em condições seguras e com justa remuneração. 


Imagem de destaque: Matheus Britto / Prefeitura Municipal do Jaboatão dos Guararapes

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