Escola, aprendizagem e projeto político cultural

Escola, aprendizagem e projeto político cultural

O recrudescimento das práticas de discriminação racial e homofóbicas e a exposição pública de pensamentos, performances políticas e práticas fascistas, têm levado um número crescente de professores, ativistas sociais e pesquisadores a se perguntarem sobre o lugar e a importância da educação e, mais especificamente, da escola na formação cívica, logo política, da população brasileira. De outro lado, conforme já observamos aqui neste espaço, há um crescente descontentamento dos movimentos autoritários com aquilo que consideram a esquerdização da escola e o ataque à família e religião perpetrados pelos professores, pelos livros didáticos e pelos programas de ensino.

Esse desacordo sobre os sentidos da educação são indicadores de que quando se pensa na educação no espaço público não se disputam apenas sobre os currículos, o ensino e a aprendizagem. Há aí, como muito já se debateu e escreveu na área, uma disputa por projetos políticos e culturais a que a escola se refere e dos quais ela é portadora. Há, assim, o fortalecimento da face socializadora da escola em relação à dimensão instrutiva da instituição.

Nos anos de 1980, no esforço de superar o estreito tecnicismo preconizado pelas políticas educacionais da ditadura e, ao mesmo tempo, fazer a escola dialogar com o que ocorria à sua volta, buscou-se mobilizar a ideia de educação para a cidadania como slogan que sintetizava os esforços teóricos/políticos/práticos daqueles que queriam uma escola inclusiva e de qualidade para todos.

A escola, neste registro, fazia parte de um amplo projeto político cultural que incluía, mas não se limitava, ao ensino e à aprendizagem dos conteúdos escolares. No entanto, nos anos vindouros, há um crescente questionamento do slogan da educação para a cidadania advindo, sobretudo, dos movimentos teóricos/políticos/práticos que enfatizavam a necessidade de reconhecimento das diferenças, ao mesmo tempo em que afirmavam os estreitos marcos da cidadania política baseada na luta pelos direitos sociais e civis clássicos.

Mas o questionamento ao slogan da educação para a cidadania vinha também de outros grupos que enfatizavam que ao reconhecer, sobretudo, a face socializadora da escola e a necessidade de que ela dialogasse com os movimentos sociais, o movimento acabou levando também a um esvaziamento da escola como instituição que deve garantir às novas gerações o acesso ao conhecimento socialmente acumulados.

Quando, em 2002, a coalização liderada pelo Partido dos Trabalhadores assumiu a Presidência da República, todos estes grupos passaram a atuar na esfera federal buscando disputar os rumos das políticas educacionais. Para isso, traziam e atualizavam experiências de várias administrações municipais e estaduais pelo país afora, que buscavam desenvolver políticas de educação pública de melhor qualidade para as crianças e jovens que a ela crescentemente acessavam.

Talvez o crescente desconforto que, hoje, vários grupos e movimentos têm em relação à escola pública que temos seja, em parte, devido aos avanços alcançados por algumas das políticas postas em marcha. Mas também pode significar, por outro lado, os limites e as contradições das próprias políticas educacionais da República.

Ao estabelecer o horizonte da educação num plano político cultural mais amplo do que o próprio movimento pedagógico, do ensino e da aprendizagem de conteúdos, as políticas educacionais lograram questionar profundamente a nossa cultura política e os limites de nossa nascente democracia. Nessa dimensão, lograram, também, despertar a ira de grupos políticos e religiosos conservadores que passaram a ficar cada vez mais preocupados com os rumos da escola pública.

No entanto, ao não conseguir avançar na elevação da qualidade do “aprendizado” daqueles que a ela acessaram e nela permaneceram, as políticas públicas da educação passaram a ser alvo de questionamento de um sem número de especialistas e ativistas que denunciam a baixa qualidade da escola brasileira face àquilo que societariamente nela investimos.

Se esse diagnóstico é minimamente razoável, uma questão que emerge é se conseguiremos, nos próximos anos, garantir uma cada vez maior articulação da escola a um projeto político cultural amplo que envolva todas as dimensões da vida social e, ao mesmo tempo, avançar no aprendizado dos conhecimentos escolares. Na resposta a essa questão, talvez estejamos jogando a sorte da escola pública, laica, inclusiva e democrática que todos queremos construir.

 

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