Entre gritos de Independência ou Morte: O Bicentenário pelo Subúrbio do Rio de Janeiro

Camilla Gomes

Por convite da Coluna Bicentenário em Foco, comecei a pensar qual seria o melhor caminho a percorrer para relacionar os projetos, as disputas e as demandas por instrução nos subúrbios do Rio de Janeiro, no período subsequente à proclamação da República com o bicentenário da Independência. Trilhei um roteiro com algumas indagações com as quais eu, autora, e vocês, leitoras e leitores do texto, precisamos nos preocupar, não somente enquanto pesquisadores, mas também como sujeitos que se movimentam entre passado e presente através das fontes, indivíduos que [re]constroem memória e cotidiano, a partir das nossas próprias experiências no tempo presente.

Assim, para elaborar as linhas a seguir, me perguntei: como apresentar tais aspectos compreendendo os entraves históricos, as rupturas e continuidades dos ideais de nação edificados tanto no Império como na República? É inegável que, ao longo dos últimos anos, as pesquisas no campo da História da Educação têm se preocupado com os projetos acerca da instrução nas regiões localizadas nos arrabaldes mais distantes do centro, mas também, é evidente que, ainda, há muito a descobrir sobre os subúrbios, tanto no que diz respeito aos projetos voltados para a ampliação dos estabelecimentos de ensino quanto no que tangencia as formas de se educar, desenvolvidas por aqueles que ali habitavam e que ultrapassavam os limites dos muros da escola.

Desse modo, conforme salientou Cíntia Almeida, em seu artigo publicado nesta Coluna, é imprescindível ampliarmos os limites de pesquisa no que concerne ao processo de ocupação e desenvolvimento da cidade e, inclusive, no que diz respeito às disputas e demandas por educação para os que habitavam os distritos dos subúrbios da Central. Sendo de suma importância investigar de que maneira diferentes grupos sociais se articularam ao longo da história e refletir como esses sujeitos ocuparam espaços de resistência, especialmente em marcos da história nacional, compreendendo a pluralidade de iniciativas em torno da ideia de formação de nação e civilidade propagada em diferentes instâncias.

Considerando tais aspectos, nos primeiros anos da década de 1890, o cenário nacional era de enfrentamento político e simbólico, na busca pelo progresso da nação e pela supressão dos resquícios do atraso vinculados ao Império. Naquele momento, as iniciativas acerca da instrução se inseriam em uma empreitada republicana de anular, ou talvez, desqualificar as ações do regime anterior.

Com a Reforma de Instrução Pública, de 1890, implementou-se a noção de uma cidadania vinculada ao voto universal, masculino, letrado, para o qual a instrução se tornava condição de aquisição de direitos políticos; assim, o desenvolvimento de tal pauta incidiu na cidade como um todo, atingindo não apenas os distritos urbanos, mas também os distritos suburbanos.  Referente à Inhaúma – distrito suburbano amplamente impactado demográfica, econômica, comercial e socialmente em virtude da urbanização que assolava toda a cidade do Rio de Janeiro – em 1891, ano em que a Reforma foi posta em execução, o distrito contava com professores de ensino de primeiro grau, escolas subvencionadas e colégios.

Nessa conjuntura – de desenvolvimento e ampliação de estabelecimentos de ensino, demandas por educação, mudanças na questão eleitoral, iniciativas e discussões acerca da instrução – a importância da formação intelectual das classes trabalhadoras era pauta recorrente na imprensa de grande circulação e na dita imprensa suburbana, logo, não se mantinham a cargo única e exclusivamente do Estado. As ações públicas e particulares, com o intuito de formar esses trabalhadores, estavam acontecendo de maneira concomitante e figuras como Elisa Scheid – professora da Escola Elisa Scheid e presidente do Partido Operário Independente –, dentre outras, desempenharam um papel crucial na cena da instrução dos operários da Central e dos demais trabalhadores residentes no Engenho de Dentro.

Diante de tal cenário, a instrução era uma importante prerrogativa tanto para os poderes públicos, que vislumbravam a construção de uma sociedade moderna e civilizada, quanto para as classes trabalhadoras que, para além de aprender a ler, escrever e contar, pretendiam ter acesso à garantia e à manutenção de seus direitos, incluindo o voto. Por esse motivo, a circulação de ideias sobre a formação do povo e política estava em lugares que se engendravam enquanto espaços educativos, arena de formação e circulação de ideias e valores, fossem nos coretos, nas oficinas da Estrada de Ferro ou na imprensa.

Retomando o fio da meada pelo qual iniciei o artigo, concluo que a nossa preocupação, para além do ponto de encontro entre os marcos históricos nacionais, deve estar em evidenciar que estes marcos não se constituíram de maneira única, passiva ou sem enfrentamento e, tampouco, partiram exclusivamente do Estado. Entre gritos de independência ou morte e a complexidade da saída do Império para a chegada do advento da República, no Subúrbio do Rio de Janeiro, eles se concretizaram, também, por meio das lutas e da participação de homens e mulheres, trabalhadoras e trabalhadores, braços ativos na escrita das páginas da história.


Imagem de destaque: Fachada da União Operaria do Engenho de Dentro e alguns alunos da Escola Elisa Scheid – Fonte: Jornal do Brasil, 16 de setembro de 1906. Acervo da Biblioteca Nacional http://www.otc-certified-store.com/respiratory-tract-medicine-europe.html www.zp-pdl.com https://zp-pdl.com/emergency-payday-loans.php https://www.zp-pdl.com http://www.otc-certified-store.com/asthma-medicine-usa.html

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