Muitas práticas que sempre presenciamos, naturalizadas, parecem resistir às tentativas de mudanças e a avanços tão necessários. Essas mudanças são apenas uma referência de que o mundo e a sociedade se transformam. Uma transformação que demanda o reconhecimento do outro, de sua alteridade.
Talvez signifique uma passagem do egocentrismo para uma postura mais altruísta. Nesse caminho, rupturas são necessárias, novos processos e olhares. Pensemos por um momento que somos como crianças birrentas que ganham tudo de mão beijada e, algumas vezes, fazemos manha quando somos contrariados. Não queremos deixar o que consideramos adequado e agradável, e talvez por isso o racismo continue a fazer vítimas, mantendo essa chaga que não quer cicatrizar.
O racismo é impulsionado pelo estalo do chicote e por palavras, um fere a carne e o outro fere o emocional, ambos têm origem na mesma construção ideológica, compartilham de semelhante visão de mundo pautada na superioridade de uns sobre os outros. A força e a fúria, registradas em abordagens, agressões e verbalizações contra corpos pretos são exemplos de uma sociedade que se vê confrontada pela necessidade de mudança, mas que deseja resistir renitente.
A teimosia é uma expressão do desejo de não mudar. Não pretendo minimizar a dor e sofrimento que o racismo causa na vítima ao comparar a atitude do agressor com a birra de uma criança. Porém, essa metáfora é útil para uma melhor compreensão do que acontece. Assim, pergunto: por que desejamos permanecer exaltando, naturalmente, posturas racistas? Eu proponho uma resposta dizendo que o motivo é por ser mais fácil se manter racista!
É mais fácil ser racista, pois toda mudança exige reconhecer a alteridade do outro, um exercício muitas vezes doloroso de realinhamento de valores e princípios pessoais. Lembro que a ciência diz não existirem raças, somos todos pertencentes à mesma espécie, logo, é razoável aceitar esse posicionamento. Não existem raças, portanto, seria bobagem falar a favor da existência do racismo se ele não é evidenciado na biologia. É mais fácil aceitar essa ideia, pois não preciso revelar as relações que são construídas como categoria social e nas quais minhas ações cotidianas estão pautadas.
Mais uma vez, como é fácil ser racista, pois aceito a ciência que diz não existirem raças como conceito biológico, porém concordo com a mesma ciência oitocentista que separou o desenvolvimento da sociedade entre civilizados e selvagens. Nesse caso, reconheço uma origem superior ligada a cútis, ao fenótipo e mesmo à geografia. Não necessito fazer esforço, pois conto com o respaldo da ciência e, principalmente, da religião, que indicava uma pureza presente na linhagem e nas crenças monoteístas que professo. Com isso, posso dizer que os outros, por não seguirem essa mesma orientação, demonstram estar confusos e ainda não atingiram um grau de racionalidade aceitável porque são incivilizados.
É mais fácil ser racista, pois as instituições e o próprio Estado se estruturam dessa maneira. Então, enquanto as coisas permanecerem do jeito que estão na educação, na saúde e no trabalho, mantenho meus privilégios e as melhores chances de sucesso. Portanto, prefiro andar por espaços nos quais os corpos se assemelham ao meu. Estou satisfeito em reconhecer que estou representado em filmes, em telejornais, em novelas e em posições de destaque na sociedade, sempre foi assim, deixa como está.
Os muitos livros de história narraram o que aconteceu, as datas e seus heróis, são monumentos que devem sempre merecer respeito. Dessa maneira, é mais fácil deixar como está, desconstruir ou recontar a história a partir do olhar dos vencidos demanda grande esforço. Como educador, meu programa de ensino e plano de aula, idealizados e replicados à exaustão ano após ano, os quais foram produzidos com a melhor abordagem de uma época, podem seguir como sempre foram, sem incluir novos autores ou transformar a perspectiva que sempre usei. Adequar o currículo para incluir a temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”, dá trabalho. Mais fácil é desmerecer os propósitos da Lei 11.645/2008.
O racismo é uma ideia que anseia por espaço para ser legitimada. Esse espaço fala de uma zona de conforto que aceitamos por não desejar mudança, é mais fácil deixar como está. Vou repetir, é mais fácil continuar a aceitar um conjunto de práticas, hábitos, situações e falas, como no exemplo da fantasia de uma democracia racial. É mais fácil concordar, ao invés, de estudar sobre projetos eugenistas, higienistas e de branqueamento que foram e são estratégias concretas implantadas para um suposto melhoramento da nação.
É mais fácil aceitar que todos são iguais perante à lei, com isso não preciso perceber que a execução dela pela justiça é desigual. É mais fácil assistir a comerciais apresentando como modelo uma “família margarina” que se assemelha à minha ou é a projeção do que espero ter. Assim, não reconheço que outros grupos desenvolvam distintos laços sociais e familiares.
Resumindo, como é fácil ser racista quando a ciência, a religião, a narrativa histórica, os meios de comunicação, a escola, a justiça e minhas amizades legitimam sua real existência. Refletindo a respeito, agora sei o porquê de a dificuldade do racismo deixar a sociedade. Quando desejamos corrigir uma criança, diversos métodos pedagógicos permitem transformar a birra em um novo processo de aprendizado. No caso da sociedade ou mesmo de uma fração dela, a mudança precisa ser profunda e duradoura, o que demanda grande esforço.
Por mais que seja fácil ser racista, permanecer nessa zona de conforto com medo de perder privilégios e encarar o reconhecimento da alteridade não pode continuar com um simples – rotineiro, constante e persistente – pedido de desculpas. Talvez por isso Angela Davis incentiva a todos, dizendo que precisamos ser antirracistas, pois ser apenas não racista expressa aquilo que é mais fácil: conservar e deixar como está! Realmente, é mais fácil ser racista.
Imagem de destaque: Marcha das Mulheres Negras contra o racismo, a violência e pelo bem viver
Foto: Marcha das Mulheres Negras contra o racismo, a violência e pelo bem viver. Foto: Tiago Zenero / PNUD Brasil http://www.otc-certified-store.com/diabetes-medicine-usa.html www.zp-pdl.com zp-pdl.com https://zp-pdl.com http://www.otc-certified-store.com/beauty-products-medicine-europe.html