CL Nº 69 – 05/12/2014

Leitura: modo de usar II – Eliane Marta Teixeira Lopes – EXCLUSIVO

Leitura: modo de usar II

Eliane Marta Teixeira Lopes

Disse em novembro (como tudo passa rápido!) que ia comentar o livro de Umberto Eco e Jean-Claude Carrière _não contem com o fim do livro. Em que pese essa pretensão envergonhada, a leitura do livro – releitura em algumas partes – foi uma enorme satisfação. Apresento-o: Editora Record, 2010; Grasset&Fasquelle, 2009. Umberto Eco nasceu em Alexandria, Itália, em 1932. É semiólogo (o linguista que trabalha com a semiologia ou semiótica; disciplina que estuda o signo e aborda a produção e interpretação do sentido etc etc), professor e escritor. Escreveu Como se faz uma Tese e posso garantir que na época em que foi lançado no Brasil fez grande sucesso – hoje os instrumentos são outros; Seis passeios pelos bosques da ficção; Sobre a literatura, História da Beleza e depois da Feiura muitos outros dessa área e romances. Gostei muito de O nome da rosa. Dos outros, confesso, gostei menos e há mesmo um que não me senti à altura e abandonei – gosto mesmo é dos ensaios. Jean-Claude Carrière nasceu na França em 1931, é escritor, dramaturgo e roteirista. Trabalhou com Luís Buñuel (O discreto charme da burguesia – imperdível!); colaborou por mais de 30 anos com Peter Brook, importante diretor de teatro inglês. Mas também escreveu livros, o Dictionnaire amoureux du Méxique e oDicionário da Burrice. Ambos ganharam inúmeros prêmios e condecorações em suas áreas de atuação.

 O livro, resultado de entrevistas conduzidas por Jean-Philippe de Tonnac, ensaísta e jornalista, é estruturado em quinze capítulos e os títulos de cada um são provocativos mostrando ou chamando a atenção para o que tratam. Sobre o desaparecimento ou não do livro é do que trata indiretamente. Indiretamente porque são muitos e fascinantes os assuntos: livros, cinema, colecionismo, temores, críticas e deboches bem humorados, memórias… Conversas entre dois homens (é diferente de duas mulheres conversando) maduros, experientes e de uma erudição rara…

 O editor das conversas, Jean-Philippe de Tonnac, conta que as conversas foram travadas em Paris na casa de J-C.C e em Monte Cerignone na casa de UE mas não em quanto tempo foram feitas as entrevistas e é verdade que há alguns diálogos que mostram uma linguagem um pouco artificial o que em nada prejudica a leitura ou a alta qualidade do trabalho. Sabemos todos que passar um texto do oral para o escrito, sobretudo quando é longo, (15 textos em 269 páginas) é difícil e derrapante.

 Nenhuma resenha ou comentário substitui a leitura de um livro e particularmente desse, que vai de argumento em argumento, de ideia em ideia, de lance em lance.

Permitam-me então que mostre o que alguns trechos do livro, quase que como uma intrusa, ou uma voyeuse, me levaram a pensar. Ainda no Prefácio de J-P.T., na página 9: O livro está prestes a fazer sua revolução tecnológica. Mas o que é um livro? O que é um livro, como assim? E a esta, sucedem-se sete novas perguntas, concluindo: O livro é necessariamente o símbolo dos progressos com que tentamos fazer esquecer as trevas das quais continuamos a acreditar que agora saímos? Pergunta que nos interpela fortemente e pode dar razão a quem não gosta dele – prefiro pular a possibilidade de resposta, guardando a pergunta.  Logo abaixo fala de bibliotecas e interponho aqui uma ideia (minha, ou não).

 Acho que existe uma imensa biblioteca com todos os livros do mundo e que há livros que fazem falta a ela. Conto uma lenda: era uma vez, há mais de um século, um pintor que vivia em uma modesta cidade de um modesto país. Pintou o que pode, o que viu, o que imaginou, amou, passou o pão que o diabo amassou e morreu. Alguns modestos jornais noticiaram sua passagem por aqui e daqui pr’ali. Muitos anos depois um pesquisador, folheando jornais antigos deparou-se com essa passagem e resolveu querer saber mais – mania de historiador, ir apurando, indo de uma palavra a outra, compondo, com as do passado, no presente, um texto que contava a história desse pintor. Que não está no Louvre, nem no Metropolitan, nem mesmo no Masp. Mas que fez boas telas, que teve uma vida dedicada e voltada à arte e à sua defesa – e não é pouco. Texto feito, a inevitável pergunta: a quem pode interessar essa vida modesta? Valerá a pena publicar? Minha resposta é assertiva: é sua obrigação publicar, porque um livro que conte a história desse pintor faz falta nessa biblioteca do mundo. 

 Ao lado dessa ideia de que há uma biblioteca do mundo, existe o bibliocausto, sempre recomeçado. Censura, ignorância, imbecilidade, inquisição, auto de fé, negligência, distração, incêndio… são escolhos foices, no caminho dos livros… dos papeis. Pois me lembrei das partituras, os livros da música, que fazem a sua possibilidade. E termino esse capítulo (pois é claro que esse assunto ainda vai render) com duas frases:  O que chamamos de cultura é na realidade um longo processo de seleção e filtragem.  E ainda: …a cultura é muito precisamente o que resta quando tudo foi esquecido.

 Até breve, quando espero desgrudar desse livro maravilhoso e contar para vocês sobre a minha biblioteca do Kindle, que já conta com 107 livros.

 Belo Horizonte, 01 de dezembro de 2014.

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