“O Jogo da Imitação” – histórias da ciência no cinema

Romélia Mara Alves Souto¹

A vida e o trabalho do criptoanalista britânico Alan Mathison Turing (1912-1954) foram retratados no cinema por meio de um drama histórico-biográfico baseado na obra “Alan Turing – the Enigma”, escrita por Andrew Hodge, escritor e matemático britânico. Com o ator Benedict Cumberbatch interpretando Alan Turing, o filme ganhou o maior prêmio do festival internacional de Toronto/Canadá – o “Prêmio Popular de Melhor Filme”. O diretor Morten Tyldum e o roteirista Graham Moore construíram uma versão da vida do matemático e dos trabalhos que culminaram na quebra do segredo da máquina alemã Enigma, durante a segunda grande guerra. 

No esforço de guerra, em ambos os lados, se emprenharam muitos cientistas e inventores, entre eles Alan Turing, natural de Londres, que se formou em Matemática pela King´s College, em Cambridge, em 1934. Em 1939, foi convocado para trabalhar no centro de inteligência Government Code and Cypher School (GC&CS), instalação militar secreta da Inglaterra. Cerca de 10000 pessoas trabalhavam nesse local e 75% desse contingente era composto por mulheres.

Alan Turing liderou a Equipe Hut 8, que trabalhava decifrando mensagens da marinha alemã, interceptadas via rádio. Outras equipes também trabalhavam para quebrar os códigos da máquina Enigma, criada pelos alemães para cifrar as mensagens transmitidas de forma que os aliados não tivessem acesso à informação nelas contidas caso fossem interceptadas. O trabalho dos criptoanalistas era descobrir a “chave” e, então, decifrar as mensagens interceptadas, numa corrida desesperada contra o tempo. 

A cinebiografia apresenta com destaque também a participação da matemática e criptoanalista Joan Elisabeth Lowther Clarke, natural de Londres, que concluiu o curso de Matemática na Newnham College (faculdade destinada a mulheres dentro da Universidade de Cambridge) em 1939. Joan Clarke integrou a GC&CS, atuando na Hut 8, a equipe de Turing.

Aparentemente, o título do filme não tem relação com o título da obra literária em que se baseou o roteiro cinematográfico. Mas em 1950, na revista Mind, Turing publicou um artigo intitulado “Os aparatos da computação e a inteligência”, no qual ele apresenta a possibilidade de uma máquina pensante. No referido artigo, ele defendeu suas ideias utilizando um jogo criado por ele chamado “jogo da imitação”. O artigo de Alan Turing apresentava uma espécie de teste pelo qual deveria passar uma máquina para que pudéssemos afirmar o que ela pensa. Em seu texto, Turing procura refutar possíveis objeções ao teste por ele proposto, tais como a presunção de uma superioridade humana baseada no pensamento e o postulado da impossibilidade das máquinas terem autoconsciência, além de objeções de natureza matemática e teológica. 

Alan Turing deixou contribuições para o desenvolvimento da Teoria Computacional, desenvolvendo o conceito de algoritmo e a máquina de Turing; além da Biologia Matemática, analisando os padrões e formas de organismos vivos. Suas ideias tiveram grande influência no desenvolvimento das teorias sobre o funcionamento da mente e foram precursoras dos estudos sobre inteligência artificial.

O filme retrata também os conflitos de Turing relativos à homossexualidade e o processo criminal deles decorrente. De fato, no início da década de 1950, Alan Turing foi criminalmente processado, segundo as leis britânicas da época, por ser homossexual. Na sentença resultante desse processo, Turing foi condenado por “indecência grosseira” e teve que escolher entre a castração química, com a aplicação de hormônios, ou a prisão. Alan Turing ficou com a primeira opção. Em 2013, a rainha Elizabeth II concedeu o perdão ao matemático, o que não impediu a decolada de um movimento de reivindicação desse indulto para todas as pessoas condenadas por sua orientação sexual na Inglaterra. O movimento contou com a atuação do ator Benedict Cumberbatch.

Em 1954 Turing morreu em consequência da ingestão de uma maçã envenenada com cianureto. Há controvérsias a respeito da intencionalidade do ato por parte de Alan Turing. 

Como costuma acontecer nos roteiros adaptados para o cinema, foram feitas inserções de personagens e episódios fictícios. Ainda assim, pela qualidade da produção e pelas discussões que suscita, o filme permite o debate de temas importantes, com estudantes de variados níveis. Pode ser usado como instrumento para contar e/ou recontar as histórias das ciências e da matemática em sala de aula, prestando-se também para refletir sobre as imagens de ciência e de cientistas veiculadas no cinema. Debate esse que julgamos oportuno nesse momento dramático para as ciências em nosso país, quando vemos uma deliberada e persistente atuação do governo federal no sentido de desvalorizar e desacreditar a ciência perante a sociedade ou mesmo descredenciar os cientistas como legítimos protagonistas na condução das sociedades em sua busca por melhorias nas condições da vida material.

 

1Professora do Departamento de Matemática e Estatística da UFSJ, doutora em Educação Matemática pela UNESP-Rio Claro. Áreas de interesse e estudo: História da Matemática, Cinema e Educação, Formação de Professores que ensinam matemática.


Imagem de destaque: Pixabay

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