Carnavalização da Política

Editorial da Edição 307 do Jornal Pensar a Educação em Pauta

Cancelaram o Carnaval! Esta frase soou, nas últimas semanas, como mais um desastre, depois de uma série infindável deles, para um grupo expressivo de pessoas em todo o Brasil. Ainda que esperado, dentro do quadro pandêmico e pandemônico em que vivemos, o cancelamento oficial da mais popular das festas brasileiras tem impactos econômicos, políticos e culturais que não podem ser desprezados.

Do ponto de vista econômico, seja como atividade capturada pela lógica capitalista do espetáculo cinematográfico, seja pela capilaridade e variedade das atividades econômicas que movimenta nos mais diversos territórios, o carnaval é importante fonte de renda para os poderes públicos, a iniciativa privada e para aqueles sujeitos singulares que fazem da atividade seu trabalho e sua fonte de renda.

Por outro lado, foram várias as interpretações do Brasil que mostraram as singularidades e abrangência do carnaval brasileiro para nos entendermos como povo e como nação. Fenômeno político-cultural que nos traduz, o carnaval sempre representou, ao longo de nossa história, as nossas diversidades, nossas desigualdades e nossos anseios por um país melhor.

Não é por acaso que, nos últimos anos, o carnaval, ou melhor, os carnavais realizados de norte a sul do Brasil, foram espaços-tempos de manifestações políticas e culturais, as mais contundentes contra os descalabros perpetrados pelas elites econômicas e políticas contra a Nação e o povo brasileiro. Lembremo-nos, para ficar em apenas um exemplo, que foram dos carnavais brasileiros que vieram os primeiros e mais significativos gritos de oposição a Bolsonaro e seu governo de morte.

O exemplo acima não pode, entretanto, ocultar que os carnavais brasileiros vêm se notabilizando por seus esforços de reinterpretação do Brasil, denunciando sua falsa democracia racial e as violências atrozes cometidas contra populações específicas como a negra, a indígena, a LGBTQ+, a feminina e as lideranças populares. Espaço por excelência de presença e manifestação de nossas juventudes, é por meio dos gritos do carnaval que a população da periferia tem se imposto no espaço público e apresentado interpretações legítimas e alternativas para o país.

Não podemos esquecer que cancelar o carnaval, ainda que seja um imperativo de saúde pública, não deixa de ser o apagamento de uma importante luz no espaço público brasileiro. Luz difusa, às vezes confusa e, sempre, contraditória, a festa carnavaliza as relações sociais, políticas, culturais e econômicas e põe, de forma bem humorada, o dedo em nossas feridas, nos lembrando que nossas mazelas, infelizmente, não começaram com o Capitão Cloroquina.

Felizmente para aqueles e aquelas que acreditam que o bom humor e ação política generosa e criativa estão de mãos dadas, a criatividade dos sujeitos que fazem os carnavais brasileiros não tem limites! Suspensas as festas nas ruas e nos espaços públicos, cancelados os feriados, uma explosão de criatividade balança os espaços virtuais e não dão trégua aos milicianos de plantão.

Com ou sem carnaval de rua, como nos lembrava o poeta, “a vida devia ser bem melhor e será / mas isso não impede que eu repita / é bonita, é bonita e é bonita.”


Imagem de Destaque: Edson Lopres Jr/SECOM

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Carnavalização da Política

Cancelaram o Carnaval! Esta frase soou, nas últimas semanas, como mais um desastre, depois de uma série infindável deles, para um grupo expressivo de pessoas em todo o Brasil. Ainda que esperado, dentro do quadro pandêmico e pandemônico em que vivemos, o cancelamento oficial da mais popular das festas brasileiras tem impactos econômicos, políticos e culturais que não podem ser desprezados.

Do ponto de vista econômico, seja como atividade capturada pela lógica capitalista do espetáculo cinematográfico, seja pela capilaridade e variedade das atividades econômicas que movimenta nos mais diversos territórios, o carnaval é importante fonte de renda para os poderes públicos, a iniciativa privada e para aqueles sujeitos singulares que fazem da atividade seu trabalho e sua fonte de renda.

Por outro lado, foram várias as interpretações do Brasil que mostraram as singularidades e abrangência do carnaval brasileiro para nos entendermos como povo e como nação. Fenômeno político-cultural que nos traduz, o carnaval sempre representou, ao longo de nossa história, as nossas diversidades, nossas desigualdades e nossos anseios por um país melhor.

Não é por acaso que, nos últimos anos, o carnaval, ou melhor, os carnavais realizados de norte a sul do Brasil, foram espaços-tempos de manifestações políticas e culturais, as mais contundentes contra os descalabros perpetrados pelas elites econômicas e políticas contra a Nação e o povo brasileiro. Lembremo-nos, para ficar em apenas um exemplo, que foram dos carnavais brasileiros que vieram os primeiros e mais significativos gritos de oposição a Bolsonaro e seu governo de morte.

O exemplo acima não pode, entretanto, ocultar que os carnavais brasileiros vêm se notabilizando por seus esforços de reinterpretação do Brasil, denunciando sua falsa democracia racial e as violências atrozes cometidas contra populações específicas como a negra, a indígena, a LGBTQ+, a feminina e as lideranças populares. Espaço por excelência de presença e manifestação de nossas juventudes, é por meio dos gritos do carnaval que a população da periferia tem se imposto no espaço público e apresentado interpretações legítimas e alternativas para o país.

Não podemos esquecer que cancelar o carnaval, ainda que seja um imperativo de saúde pública, não deixa de ser o apagamento de uma importante luz no espaço público brasileiro. Luz difusa, às vezes confusa e, sempre, contraditória, a festa carnavaliza as relações sociais, políticas, culturais e econômicas e põe, de forma bem humorada, o dedo em nossas feridas, nos lembrando que nossas mazelas, infelizmente, não começaram com o Capitão Cloroquina.

Felizmente para aqueles e aquelas que acreditam que o bom humor e ação política generosa e criativa estão de mãos dadas, a criatividade dos sujeitos que fazem os carnavais brasileiros não tem limites! Suspensas as festas nas ruas e nos espaços públicos, cancelados os feriados, uma explosão de criatividade balança os espaços virtuais e não dão trégua aos milicianos de plantão. 

Com ou sem carnaval de rua, como nos lembrava o poeta,  “a vida devia ser bem melhor e será / mas isso não impede que eu repita / é bonita, é bonita e é bonita.”


Imagem de Destaque: Edson Lopres Jr/SECOM 

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