Boniteza e amorosidade: o bê-á-bá dos encontros e despedidas na EJA

Adelson França Júnior

A Educação de Jovens e Adultos é a modalidade de educação que mais intensamente vivencia os atravessamentos do tempo. Seja pela questão geracional que propicia a reunião de adolescentes, jovens, adultos e idosos num mesmo espaço, com ensejos muito próximos, seja pela flexibilização da carga horária curricular que precisa se adequar aos sujeitos cujo processo de escolarização não é a centralidade da vida.

Há ainda outra perspectiva dos atravessamentos temporais. Trata-se, nesta modalidade, permanentemente, de encontros e despedidas. De ciclos intermitentes de presença e ausência. Daí inclusive uma referência importante, que vem da Educação do Campo e centraliza o processo educativo na relação dos sujeitos com os tempos da natureza, a chamada Pedagogia da Alternância. No limite da análise, toda EJA reclama uma pedagogia da alternância, que lide com seus encontros e despedidas.

A própria existência da EJA nasce de ausências. A primeira ausência de sua origem se vincula a ausência de justiça social. Num país colonial como o nosso, a negação dos direitos é um traço estrutural. A despeito da enorme diversidade dos sujeitos educandos da EJA, a característica comum que os unifica é a negação do direito à educação a que foram submetidos.

Entretanto, paradoxalmente, é exatamente essa ausência que impulsiona a necessidade da criação de uma modalidade específica e diferenciada, que atenda sujeitos que se mobilizam para materializar sua presença por meio de encontros. A garantia dos direitos só se dá na efetivação do encontro.

Ao mesmo tempo, no plano dos princípios e seguindo por essa linha de raciocínio, o encontro se configura como a reconquista dos direitos negados. Nossa defesa é que a completude do encontro seja atingida e que todos os direitos sejam assegurados a todos os sujeitos. Sendo assim, a defesa radical da EJA tem como horizonte seu próprio fim. A despedida é o objetivo final. Novamente, a justificativa da presença está ancorada numa meta de ausência. O ciclo se encerra e a despedida é inexorável.

Dito isso, conscientes de que a despedida é parte constitutiva do encontro, podemos nos deter à experiência de viver profundamente este encontro-despedida. Para tanto, nosso patrono da educação é um grande inspirador e nos orienta o olhar. Como conceitos basilares de sua proposta teórico-metodológica, Paulo Freire propõe duas disposições importantes para efetivação do encontro: a boniteza e a amorosidade. São duas dimensões humanas que, quando mobilizadas, contribuem sobremaneira para nossa humanização. A partir delas, pode-se estruturar todo o sistema de leitura e escrita de mundo. Boniteza e amorosidade podem se constituir então como uma espécie de bê-á-bá de um sistema alfabético complexo que, nessa metáfora, seria o processo de humanização dos sujeitos.

A boniteza freiriana captura um aspecto central do encontro humano porque registra, concomitantemente, os âmbitos estético e ético das relações. Boniteza é bem mais que beleza. A disponibilidade para a imersão na experiência com o outro começa pela admiração e reconhecimento da boniteza do mundo e do outro ainda quando ela esteja oculta por feiuras e obscenidades.

Já a amorosidade freiriana se concretiza pela manifestação perceptível do intenso amor ao ser humano. Nesta perspectiva o conceito ultrapassa a afetividade e sinais de carinho se concretizando numa aposta esperançosa da construção coletiva de ações para a liberdade. A amorosidade conduz as relações humanas e é a única ferramenta capaz de mobilizar o diálogo que realiza o efetivo tempo do encontro.

Assim, partindo da boniteza que nos mobiliza a admiração pelo mundo e pelo outro e passando pela amorosidade que nos aproxima efetivamente da construção de uma experiência relacional com o outro, experimentamos a potencialidade do encontro que, mesmo diante da iminência da despedida, marca nosso processo de aprendizagem e humanização de forma perene.

Nossas relações nos transformam de maneira indelével nos possibilitando a realização da complexa tarefa de novas escritas de nós mesmos e de novos mundos. Reconheçamos este bê-á-bá como aprendizagem fundante de nossos processos educativos e humanizadores.

Boniteza e amorosidade catalisam nossos encontros-despedidas. Nossos encontros-despedidas se tornam parte de nós. Aproveitemos nossos tempos de encontro com a alegria do amarelo! E que a despedida seja também repleta de boniteza e amorosidade!

Sobre o autor
Educador da EJA na PBH e professor na UEMG-Ibirité. Pedagogo e Mestre em Educação.


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