Como fazer uma escola de qualidade para todos? Debatendo com Claudia Costin

[O meu amigo e colaborador do Pensar a Educação, Prof. Isaac Roitman, me solicitou um texto para o site do Movimento 2022, o Brasil que queremos. Escrevi, então, o texto abaixo, que copio aqui no Blog a na mesma versão que estão na página do movimentoEscola pública.]

Por Luciano Mendes de Faria Filho

Há poucos dias o movimento Todos Pela Educação publicou seu Anuário da Educação Brasileira, uma importante contribuição para se conhecer a realidade da escola no Brasil. No dia 26 de junho, a Empresa Brasileira de Comunicação, agência de notícias do Estado brasileiro, fez uma reportagem, apresentada em texto no seu site e em seus programas radiofônicos, em que aborda alguns dos dados trazidos pelo anuário. As reportagens chamam a atenção, de forma especial, para a precariedade das escolas brasileiras.

Segundo os dados, “apenas 4,5% das escolas públicas do país têm todos os itens de infraestrutura previstos em lei, no Plano Nacional de Educação (PNE), de acordo com levantamento feito pelo movimento Todos pela Educação. As condições de infraestrutura são mais críticas no ensino fundamental, etapa que vai do 1º ao 9º ano: 4,8% das escolas possuem todos os itens. No ensino médio, a porcentagem sobe para 22,6%.”

Logo em seguida, no dia 28 de junho, a Profa. Claudia Costin, Diretora Global de Educação do Banco Mundial, publicou um texto no Estadão que tem por título Educação de qualidade para todos?. No texto, a Diretora, que já ocupou vários cargos na administração da educação, sobretudo em governos tucanos ou aliados, lamenta a situação da escola brasileira quando comparada com outros países – no caso específico, ela o faz com a China –  e elogia o desempenho da escola em Xangai, cidade de mais de 23 milhões de habitantes. Ela debita esse “sucesso” fortemente à formação de professores e à forma como eles organizam na/da escola. É ela mesma quem pergunta e responde :

“O que fazem de excepcional para chegar lá? Os professores são preparados para uma profissão e o currículo na universidade enfatiza o conhecimento do conteúdo a ser ensinado e a prática em sala de aula, incluindo a didática específica daquela área. Além disso, a universidade reúne-se com os professores da escola para analisar, com eles, problemas de aprendizagem que lá tenham emergido e, juntos, constroem soluções possíveis com os recursos disponíveis. Outro ponto importante é que os professores têm seu tempo de atividades extraclasse dentro da escola (e não fora dela, como em muitas escolas brasileiras), corrigindo tarefas escolares e preparando planos de aula minuciosos, com base no currículo e em colaboração com os colegas. Observam, também, as aulas dos colegas e juntos discutem o que pode ser aperfeiçoado.”

Ou seja, nada da situação política da China, nada a respeito das tradições chinesas, nada a respeito de carreira e salários, nada relacionado ao reconhecimento da profissão e seu profissional importam para o “sucesso” dos escolares chineses! É como se a escola atuasse no ar, sem referências culturais e materiais de grande complexidade.

Mas, pergunta a autora, “como garantir que o exemplo dessas escolas seja estendido às demais no Brasil que concentram crianças em situação de pobreza?” Ela mesma responde:

“As condições de sucesso escolar para alunos em situação de vulnerabilidade podem ser melhoradas, e muito, se houver uma política pública que assegure a atração e retenção de bons professores e lhes dê material de apoio adequado, conte com uma educação de qualidade e cuidados na primeira infância. Se investirmos mais em remunerar melhor o professor, alocá-los numa única escola, com tempo para ali, de forma colaborativa, preparar suas aulas e aprender com os colegas, ajudaria. Se tornarmos a formação inicial do professor mais adequada aos desafios da sala de aula, e não enfatizarmos apenas os fundamentos da educação, também ajudaria. Mas se pudermos, além disso, reduzir o impacto das condicionantes socioeconômicas no desempenho escolar do aluno, por meio de um investimento forte e focado em educação infantil de qualidade e cuidados na primeira infância, poderemos, aí, sim, combinar qualidade com equidade…”

No entanto, a autora reconhece o quanto isso é difícil entre nós e seu artigo tem, sintomaticamente, como fecho com a seguinte frase: “Não é muito difícil garantir educação de qualidade para poucos, mas o princípio da equidade demanda que isso seja estendido a todos – daí o nosso grande desafio!”.

No texto da Profa. Claudia Costin, pessoa muito próxima dos atuais dirigentes da educação nacional, podemos ver muito mais do que as nossas precariedades expostas e as nossas dificuldades de superá-las.  Convenhamos que não é preciso viajar a lugar nenhum para saber dos problemas estruturais de nossa escola e das possíveis saídas. Tais diagnósticos estão prontos há muito tempo; eu diria que desde o século XIX.  A grande questão, que a agente do Banco Mundial não coloca é: por que essas nossas dificuldades?

Várias de nossas dificuldades aparecem no texto, uma delas é a captura da educação pela economia. Claudia Costin chega a afirmar, em seu artigo: “Estive recentemente em Xangai, cidade chinesa, com mais de 23 milhões de habitantes, que obteve o primeiro lugar entre as economias que participaram do Pisa.” Pelo visto, quem participa do Pisa não são pessoas de carne e osso. São economias, genéricas, traduzidas em números e cifras. Deixando-me capturar pela lógica do artigo, posso perguntar: se a educação é, fundamentalmente, uma dimensão da cultura, por que não falar, por exemplo, de “culturas que participaram do Pisa”? Ou de “políticas que participaram do Pisa”? Por que tem que ser “economias que participaram do Pisa”?

Decorre desse tipo de raciocínio que a grande “desigualdade educacional” brasileira não está relacionada, também, à nossa imensa desigualdade socioeconômica. Não, ela deriva quase que exclusivamente da escola e de seus sujeitos e das famílias. Outra aspecto interessante é que a autora lamenta as nossas dificuldades, mas não  se pergunta pelas razões e que nos trouxeram até aqui. 

Se tivesse que responder sobre os responsáveis pela nossa imensa desigualdade econômica, que se realiza e é também atualizada pelas nossas desigualdades escolares, qual seria a resposta da Diretora do Banco Mundial? Responderia que são os trabalhadores da educação e as famílias das crianças ou os grandes empresários nacionais? Ou os grandes bancos? Ou a elite política e empresarial que governa o Brasil há mais de 200 anos?

A resposta a essa questão é definitiva para sabermos, de fato, se há um compromisso com uma educação de qualidade para todos. Enquanto os economistas e as instituições e partidos que lhes dão ouvidos continuarem “esquecendo” as condições estruturais de nossas desigualdades educacionais, não avançaremos na diminuição das mesmas. Aliás, esse “esquecimento” é o que os faz ser a favor da educação mas contra políticas de distribuição de renda, contra a agricultura familiar, contra a bolsa família, contra o aumento do salário mínimo, demonstradas nas políticas adotadas pelo governo Temer e cia. Ao longo do século XX a escolarização no Brasil aumentou e melhorou significativamente, mas nem por isso diminuímos nossas desigualdades.

O problema é que é impossível fazer uma escola de qualidade para todos numa sociedade tão desigual e perversa como a nossa. E, isso, nossas elites políticas e empresariais, bem como seus interlocutores para assuntos sociais e educacionais, não querem ver. Aliás, não podem ver, sob pena de terem que assumir as suas próprias responsabilidades e não apenas transferi-las para o Estado, como se não o controlassem desde sempre, e, pior ainda, para os mais pobres e os profissionais que com eles trabalham, como os professores e as professoras.

A proposta de uma educação  igual para todos não decorre das necessidades econômicas, do mercado ou da falta de mão de obra qualificada. Nossas elites e o  capitalismo aqui organizado são  tão predatórios e excludentes que prescindiram de escola  para, sobre os ombros dos trabalhadores, usufruir das vantagens de sermos uma das maiores economias do mundo. O imperativo de uma escola igual para todos é político, ou seja, é fundado nas necessidades da vida pública e da política, que são inerentes às sociedades democráticas, qualidades estas que o governo provisório do vice Presidente Temer e seus aliados, inclusive no campo da educação, lutam continuamente para obstaculizar e destruir  em nosso país. Por mais que queiram destruir as condições que tornam a política necessária, é ela a única possibilidade de fazermos, aqui, um país mais igualitário e democrático e, assim, uma escola de qualidade para todos!

 Ps: Se o(a) leitor(a) quiser ver um outro ponto de vista sobre o texto da Claudia Costin pode acessar o post Costin: mais do mesmo que já não funcionou, publicado no Blog do Freitas.

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