O ENEM e os Direitos Humanos

Editorial da edição nº 182 do jornal Pensar a Educação em Pauta

Acompanhando as discussões sobre o ENEM e sobre direitos humanos nas últimas semanas, somos tentados a concordar com aqueles que acham que o Brasil é um país bizarro. No entanto, se aceitarmos essa qualificação, acabamos por não levar suficientemente a sério as contínuas agressões e violências sofridas pela democracia, pelo Estado de Direitos, pelos Direitos Humanos e por parte significativa da população brasileira, notadamente a mais pobre, a negra, a indígena, a feminina, a LGBT, para identificar alguns dos muitos alvos de investimento das milícias e grupos reacionários.

Quando a Associação Escola Sem Partido entrou na justiça contra a regra do ENEM referente à avaliação da redação, segundo a qual o candidato que afrontasse os Direitos Humanos poderia ganhar nota zero, imaginávamos que essa era apenas mais uma agressão que sofríamos desse grupo notoriamente avesso à noção de qualquer direito, a não ser o de aumentar as desigualdades e a violência no país. Quando um desembargador federal deu uma liminar a favor da Escola Sem Partido, vimos a cumplicidade de parte judiciário com a violência. Fomos surpreendidos, positivamente, pelo fato de o MEC recorrer, no STF, da decisão. Infelizmente não foi surpresa nenhuma que a Presidenta do STF mantivesse a decisão da primeira instância sob a alegação de que era preciso garantir a liberdade de expressão dos candidatos.

Ou seja, a presidenta do Supremo Tribunal Federal definiu que os candidatos que fariam a prova do ENEM poderiam tranquilamente defender ideias contra os Direitos Humanos e que isso era um mal menor diante do direito à liberdade de expressão dos(as) jovens em formação. E, o que pode parecer paradoxal, fez isso atendendo a um pedido da Associação Escola Sem Partido, cujo grande investimento tem sido, justamente, impedir a expressão dos(as) professores em sala de aula.

Mas, as agressões aos direitos não pararam por aí. No domingo à tarde, quando foi divulgado que o tema da redação fora “Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil”, candidatos, jornalistas, professores de cursos preparatórios e até mesmo especialistas em educação se mostraram indignados com a escolha de tal assunto. E a justificativa não era a de que o tema era por demais complexo, e sim, em boa parte das vezes, por tratar de um assunto por demais distante da realidade dos(as) candidatos(as).

Ora, se uma questão que afeta negativamente um número expressivo de brasileiros e brasileiras, ao ponto de boa parte dessa população ver negada parte significativa de seus direitos, entre eles o da educação, não pode ser colocada para a reflexão dos candidatos do ENEM, o que mais poderia ser? Uma redação sobre a viagem à Disneylândia ou sobre as férias na casa da vovó? Ou, poderia ser, também, uma reflexão sobre a ação dos jovens do católico Colégio Marista de Natal diante de seus adversários num jogo de basquete, que como forma de xingamento de seus colegas da outra equipe diziam “Sua mãe é empregada da minha”, dentre outros.

Talvez a ação da Escola Sem Partido contra as regras do ENEM, a liminar concedida pelo desembargador federal e a decisão da Presidenta do Supremo que a confirmou e, por fim, a ação dos alunos do Colégio Marista naveguem no mesmo leito da desfaçatez que tanto caracteriza o Brasil. Se um juiz do Tribunal Superior do Trabalho acha que o corpo de um pobre vale menos do que o de um rico porque obrigar, pelo menos na redação, que os jovens respeitem os Direitos Humanos? Desgraçadamente estamos em um tempo em que as nossas elites e as autoridades públicas teimam em aprender mais com o Alexandre Frota do que com Paulo Freire. São tempos sombrios e a cada dia temos a sensação de que a Caixa de Pandora encontra-se plenamente aberta. Seremos capazes de fechá-la? Somente o tempo dirá.

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O ENEM e os Direitos Humanos

Acompanhando as discussões sobre o ENEM e sobre direitos humanos nas últimas semanas, somos tentados a concordar com aqueles que acham que o Brasil é um país bizarro. No entanto, se aceitarmos essa qualificação, acabamos por não levar suficientemente a sério as contínuas agressões e violências sofridas pela democracia, pelo Estado de Direitos, pelos Direitos Humanos e por parte significativa da população brasileira, notadamente a mais pobre, a negra, a indígena, a feminina, a LGBT, para identificar alguns dos muitos alvos de investimento das milícias e grupos reacionários.

Quando a Associação Escola Sem Partido entrou na justiça contra a regra do ENEM referente à avaliação da redação, segundo a qual o candidato que afrontasse os Direitos Humanos poderia ganhar nota zero, imaginávamos que essa era apenas mais uma agressão que sofríamos desse grupo notoriamente avesso à noção de qualquer direito, a não ser o de aumentar as desigualdades e a violência no país. Quando um desembargador federal deu uma liminar a favor da Escola Sem Partido, vimos a cumplicidade de parte judiciário com a violência. Fomos surpreendidos, positivamente, pelo fato de o MEC recorrer, no STF, da decisão. Infelizmente não foi surpresa nenhuma que a Presidenta do STF mantivesse a decisão da primeira instância sob a alegação de que era preciso garantir a liberdade de expressão dos candidatos.

Ou seja, a presidenta do Supremo Tribunal Federal definiu que os candidatos que fariam a prova do ENEM poderiam tranquilamente defender ideias contra os Direitos Humanos e que isso era um mal menor diante do direito à liberdade de expressão dos(as) jovens em formação. E, o que pode parecer paradoxal, fez isso atendendo a um pedido da Associação Escola Sem Partido, cujo grande investimento tem sido, justamente, impedir a expressão dos(as) professores em sala de aula.

Mas, as agressões aos direitos não pararam por aí. No domingo à tarde, quando foi divulgado que o tema da redação fora “Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil”, candidatos, jornalistas, professores de cursos preparatórios e até mesmo especialistas em educação se mostraram indignados com a escolha de tal assunto. E a justificativa não era a de que o tema era por demais complexo, e sim, em boa parte das vezes, por tratar de um assunto por demais distante da realidade dos(as) candidatos(as).

Ora, se uma questão que afeta negativamente um número expressivo de brasileiros e brasileiras, ao ponto de boa parte dessa população ver negada parte significativa de seus direitos, entre eles o da educação, não pode ser colocada para a reflexão dos candidatos do ENEM, o que mais poderia ser? Uma redação sobre a viagem à Disneylândia ou sobre as férias na casa da vovó? Ou, poderia ser, também, uma reflexão sobre a ação dos jovens do católico Colégio Marista de Natal diante de seus adversários num jogo de basquete, que como forma de xingamento de seus colegas da outra equipe diziam “Sua mãe é empregada da minha”, dentre outros.

Talvez a ação da Escola Sem Partido contra as regras do ENEM, a liminar concedida pelo desembargador federal e a decisão da Presidenta do Supremo que a confirmou e, por fim, a ação dos alunos do Colégio Marista naveguem no mesmo leito da desfaçatez que tanto caracteriza o Brasil. Se um juiz do Tribunal Superior do Trabalho acha que o corpo de um pobre vale menos do que o de um rico porque obrigar, pelo menos na redação, que os jovens respeitem os Direitos Humanos? Desgraçadamente estamos em um tempo em que as nossas elites e as autoridades públicas teimam em aprender mais com o Alexandre Frota do que com Paulo Freire. São tempos sombrios e a cada dia temos a sensação de que a Caixa de Pandora encontra-se plenamente aberta. Seremos capazes de fechá-la? Somente o tempo dirá.

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