Janete Evangelista1
A violência contra as mulheres e a população LGBTQIA+ há tempos é entendida como uma questão de saúde pública. No contexto da pandemia, em decorrência da Covid-19, esse problema agravou-se. Um sistema que mantém esse tipo de violência, dentre outras, a chamada violência de gênero, é a cultura do patriarcado.
O patriarcado é aqui compreendido a partir dos estudos feministas, como uma formação social ou um sistema de dominação nas relações de gênero, no qual os homens detêm o poder. Pode ser entendido como a dominação masculina, sinônimo de opressão para as mulheres e para a população LGBTQIA+.
A cultura patriarcal configura-se, historicamente, como uma organização social de dominação na qual o homem detém uma autoridade que exerce sobre a família e seus descendentes. Tal poder incide sobre os corpos, o patrimônio e o psicológico dos que dependem desse patriarca.
Nesse sentido, fundado em uma supremacia masculina, as mulheres e os jovens estão submetidos a uma cultura que valoriza socialmente as ações e atitudes masculinas e que controla até mesmo a sexualidade e a autonomia desses que se encontram hierarquicamente inferiores nesse sistema. Com isso, os homens acabam por ter autoridade e poder, inclusive, de violentar tais corpos, já que constam como propriedade deles.
Já a violência de gênero abrange um campo de estudos multidisciplinar, do direito, da sociologia, da saúde, da educação, dentre outros. Trata-se de ações violentas contra as mulheres e população LGBTQIA+. São atitudes violentas que se apresentam em diversos formatos, podendo ser psicológicas, morais, sexuais e patrimoniais. É um tipo de violência que possui um caráter relacional e esta perspectiva é fundante para sua compreensão, porque ocorre entre gêneros, territórios e tempos históricos diversos.
Ao se discutir a violência contra as mulheres e as pessoas LGBTQIA+ é necessário também debater as diferentes masculinidades, aquelas que não são hegemônicas e que se apresentam como práticas dos lugares que os homens ocupam nas relações entre os gêneros. Suscita-se, assim, algumas questões sobre essa problemática: o que tem levado a sociedade a naturalizar esse tipo de violência? Como são construídas as estruturas de masculinidades que acabam por desencadear ações violentas de forma recorrente? E, por fim, o que pensam nossos jovens meninos sobre essas masculinidades e como se expressam nas relações sociais?
Portanto, é nessa cultura patriarcal que os homens, responsáveis por esse tipo de violência, são educados e constroem suas masculinidades. Nos moldes em que vêm sendo construídas, essas masculinidades acabam por produzir ações de violência de gênero em diversos aspectos e espaços. Nesses termos, há um entendimento da necessidade urgente de se estudar as masculinidades contemporâneas de jovens brasileiros.
Ao se debruçar sobre esse tema, o campo da Educação em Saúde pode contribuir na prevenção e na promoção da saúde da mulher e da população LGBTQIA+ ao combater a violência contra esse segmento da população. Além disso, pode colaborar também na formação dos jovens, buscando romper com a imposição do binarismo e com o modelo de masculinidade hegemônico.
Sob a perspectiva da Educação em Saúde, é possível promover rodas de conversa, oficinas e seminários junto aos coletivos, redes, comunidades virtuais e movimentos sociais, que já desenvolvem ações destinadas aos homens jovens. Os temas a serem debatidos perpassam: o que é ser homem na atualidade; como se constitui o masculino frente à diversidade; como as masculinidades contemporâneas vêm se constituindo nas mídias sociais; como romper com a cultura patriarcal; dentre outros.
Esses espaços podem se tornar locais de reflexão e formação de novos pensamentos, concepções e comportamentos desses jovens. O que significa pensar as práticas de Educação em Saúde como um caminho para transformação de comportamentos perpetrados, com o intuito de buscar desviar rotas pré-determinadas e impostas pela cultura patriarcal, como um sistema de dominação.
É nesse sentido que as ações de Educação em Saúde podem ser contínuas e ocupar espaços formais e não formais nas escolas, nos serviços de saúde, nas redes sociais e nas comunidades, considerando sua capacidade transformadora e de melhoria da qualidade de vida das pessoas e, principalmente, daquelas que sofrem a violência de gênero.
1 – Janete Gonçalves Evangelista. Pedagoga e pesquisadora em saúde pública do Grupo de Pesquisa Violências, Gênero e Saúde do Instituto René Rachou/Fiocruz Minas. E-mail: janete.evangelista@fiocruz.br
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Este texto integra uma parceria entre o Pensar a Educação, Pensar o Brasil 1822/2022 e o Instituto René Rachou (Fiocruz) para promover ações e reflexões em torno da Educação para a Saúde.
Imagem de destaque: Pixabay