A EJA, a Filosofia e a BNCC

Vinícius Figueiredo Costa1

O ensino de Filosofia no Brasil foi reorganizado na democracia em 1996, na LDB, como necessário para se garantir a cidadania. Especificamente às finalidades da Filosofia no Ensino Médio, em consonância com o artigo 35 da LDB, a cidadania deve ser entendida como problematização filosófica que pode ser considerada sob vários aspectos, tendo como principal o aspecto ético.

Todavia, a partir de 2017, a nova Base Nacional Curricular Comum (BNCC) caminhou para excluir, na prática, os estudos filosóficos ainda incipientes nas escolas brasileiras. No projeto original de Reforma do Ensino Médio de 2016 -2017 foi retirada a obrigatoriedade do ensino de Filosofia e Sociologia das escolas brasileiras, mas devido às pressões populares, o projeto final aprovado manteve as discussões temáticas dessas matérias, apesar de não mais inseri-las como conteúdos obrigatórios. A BNCC, todavia, retirou o estudo de Filosofia do currículo brasileiro não o presumindo em seu texto no Ensino Fundamental, aonde o Ensino Religioso foi incluído como área; no texto do Ensino Médio, apenas algumas temáticas foram sugeridas.

A Base, nos textos aprovados, mostra-se como uma ameaça à obrigatoriedade do ensino da Filosofia na política educacional do país. A versão da BNCC oficial foi o terceiro texto enviado para aprovação ao Congresso Brasileiro e que compreende alguns poucos conteúdos filosóficos nas Competências Específicas de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas para o Ensino Médio listadas a partir da página 538 do documento. As Competências e Habilidades apresentam–se no texto, predominantemente, por ideais históricos e geográficos apenas tangenciando as questões filosóficas. Como exceção, percebe-se a primeira habilidade da competência cinco “compreender e analisar os fundamentos da ética em diferentes culturas, identificando processos que contribuem para a formação de sujeitos éticos que valorizem a liberdade, a autonomia e o poder de decisão (BNCC-EM13CHS501, P.564.)” e a terceira da competência três “debater e avaliar o papel da indústria cultural e das culturas de massa no estímulo ao consumismo, seus impactos econômicos e socioambientais, com vistas a uma percepção crítica das necessidades criadas pelo consumo (BNCC-EM13CHS303, p. 562)”. Aqui, percebe-se habilidades diretamente ligadas ao exercício do pensar filosófico: a ética e a estética. Os demais assuntos filosóficos são transversais resgatando-se a tradição cultural educacional brasileira de pensar a filosofia como complemento e não como conteúdo formador da educação no país. Não há citações a filósofos, pensadores ou o resgate da história da filosofia na BNCC. Tais ideias são negligenciadas até mesmo nas Competências, mais histórica de resgate e análise do passado, bem como não há citações a habilidades que resgatem raciocínios lógicos, epistemológicos e ontológicos – base do pensamento filosófico racional. Observa-se a desmontagem do ensino de filosofia no País, conquistado com a obrigatoriedade do ensino da disciplina a partir de 2008. 

Não há nenhuma citação ou preocupação, até o presente momento, de pensar as especificidades da EJA na nova BNCC compreendendo-se que o acordado pela base curricular valha para os estudantes jovens e adultos sem distinção. A Filosofia na EJA é, na prática, excluída no novo projeto político educacional brasileiro e excluída até dos discursos sobre o ensino de Filosofia nas pesquisas sobre a área. A invisibilidade desta disciplina na modalidade, que já é, por si só invisibilizada, é característica marcante da política educacional brasileira. 

Quando se pensa na multiplicidade de sujeitos e experiências na EJA torna-se fundamental pensarmos qualquer análise educacional a partir de uma pedagogia culturalmente sensível. O empreendimento do Ensino de Filosofia nos colégios é marcado por inquietação. Própria do raciocínio filosófico, mas também fruto dos incômodos sociais que aparentemente o conteúdo provoca nos olhares das pessoas. É preciso, portanto, pensar qual filosofia adentra as escolas, quais são excluídas e quais são autorizadas como legítimas.

Torna-se necessário perguntar: A Filosofia na EJA tem cumprido os interesses próprios da educação de jovens e adultos? Tem contribuído para emancipação desses sujeitos por meio do convite e do exercício da cidadania, justiça social e autonomia. Pensar a filosofia é pensar a Educação. Pensar a filosofia na Educação de Jovens e Adultos é pensar o lugar obscuro onde a sociedade não quer adentrar. É pensar o lugar da exclusão. Por todos os lados. E ao mesmo tempo, pelo próprio exercício filosófico, romper com o que não serve mais a ninguém verdadeiramente interessado em uma educação libertadora.

 

1Historiador, Filósofo e Pedagogo. Mestre em Educação formado pela UFMG. Doutorando em educação pela UFOP. Professor do DLCE da UFES e Professor de Filosofia e Sociologia do Colégio Bernoulli.


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