A educação de crianças negras pequenas como prática da liberdade
Thais Ferreira Dutra
Esse texto propõe uma reflexão a partir do livro de bell hooks intitulado Ensinando a transgredir, obra que dialoga com os estudos do educador Paulo Freire e que me instiga a repensar o lugar da educação para as crianças negras pequenas. bell hooks foi uma professora, autora e ativista social estadunidense que nos deixou um enorme legado no campo da educação, principalmente quando o assunto é o lugar que as mulheres negras e educadoras ocupam em nossa sociedade. Sua escrita nos acolhe, emociona e nos impulsiona a colocar em prática uma educação que emancipe nossas crianças negras.
A autora nos conduz a um mergulho na sua própria infância e aos poucos somos fisgados pela narrativa da pequena bell hooks, frequentando escolas para negros no sudeste dos Estados Unidos. Lá, a autora relata ter tido contato com uma pedagogia profundamente anticolonial. A base da prática pedagógica das professoras, que eram em sua totalidade mulheres negras, pautava-se pelo compromisso ético com uma educação integral para as crianças negras. Tal educação tinha como foco o desenvolvimento intelectual das crianças, assim como o fortalecimento de suas identidades e de suas raízes ancestrais.
Segundo bell hooks, embora não houvesse uma fundamentação teórica que denominasse a prática de tais professoras como anticoloniais, era possível observar o anticolonialismo na prática. Nesse contexto, as crianças negras eram vistas como potência e suas habilidades eram desenvolvidas ao máximo, visando um empoderamento coletivo, pautado na transformação das relações sociais de poder, por meio de uma consciência crítica.
Paulo Freire dialoga com Ira Shor, no livro Medo e Ousadia sobre a conceituação do termo empoderamento. Freire aponta que esse conceito não deve ser utilizado para denominar o nível de autonomia conquistado pelos estudantes, mas defende que o empowerment ocorre quando esses estão “aptos a efetuar as transformações políticas radicais necessárias à sociedade” (FREIRE, 1986, p. 70).
Dessa forma, uma educação que contribua para o empoderamento das crianças negras pequenas, seria aquela capaz inseri-las nas problemáticas sociais com o intuito de que saibam buscar as mudanças sociais, que propicie a discussão e a noção do direito à participação na sociedade de maneira democrática.
Analisando o contexto escolar em que as crianças negras estão inseridas atualmente, buscar uma educação que as fortaleça e as instrumentalize para mudança social é um desafio, visto os fatores estruturais que encontramos. bell hooks alerta que, para ela, a função da escola alterou-se profundamente com a integração racial. A escola deixou de ser palco para a sua liberdade e passou a ser um espaço onde era necessário atender às demandas do mundo colonial, branco.
O contexto em que o Brasil está inserido, nos leva a refletir que por aqui, a educação para as crianças negras pequenas sempre teve como base a colonialidade, sendo a infância negra um território a ser colonizado. bell hooks nos propõe a refletir acerca das escolas segregadas com intuito de levarmos em consideração o tipo de educação ofertada para as crianças negras nesses diferentes contextos. Se por um lado, existia um projeto de sociedade em que as crianças negras eram vistas como potência para ao sistema de ensino, o que encontramos hoje nesse espaço é uma educação que frequentemente marginaliza os corpos negros infantis.
A escola de Educação Infantil se constitui como um dos primeiros locais de socialização da criança, caracterizando-se como um espaço fundamental para o desenvolvimento humano. Numa sociedade racista, na qual predomina uma visão pejorativa, historicamente construída, sobre os indivíduos negros, pode-se prever que o processo de socialização e da construção de identidades das crianças negras é abruptamente corrompido.
Cabe a nós, educadores, oferecermos para as crianças negras pequenas um palco para que construam suas liberdades. Um espaço em que suas individualidades são respeitadas e que possam desenvolver-se em suas totalidades. Dessa forma, o caminho para a construção de uma sociedade mais igualitária deve iniciar-se na primeiríssima infância. Nesse sentido, o exercício de práticas pedagógicas emancipatórias, que busquem contribuir para que as crianças negras vivam uma infância plena, é o ponto chave para mudanças estruturais significativas.