Sobre fusos horários e o (não)compartilhamento do tempo escolar com os sujeitos da EJA

Daiana Maria da Silva

A lógica dos fusos horários sempre foi algo que me intrigou. A experiência de compartilhamento do tempo comum em “tempos diferentes” era de uma abstração tremenda para a criança que fui nos anos 1990… E que nunca tinha saído do meu território periférico de BH.

Muitos anos depois, já professora e fazendo entrevistas para minha pesquisa de mestrado sobre um processo formativo em museus, uma entrevistada utilizou da ideia dos fusos horários para dizer do desafio de levar estudantes periféricos aos espaços museais da cidade. Dizia ela que o tempo rígido da escola não dialogava com os deslocamentos necessários para chegar aos museus, tampouco com o período de funcionamento dos espaços.

Sua fala resolveu em segundos aquela abstração dos tempos compartilhados e distintos.

Lembrei dessa analogia no início deste ano letivo, quando mais uma vez, vimos diversas turmas de EJA sendo fechadas porque a vida dos sujeitos de direito à EJA não cabe nos tempos rígidos da escola.

Não sei quem determinou, arbitrariamente, que o meridiano de Greenwich dita o ritmo do tempo do mundo. Assim como não sei como as secretarias de educação insistem em negar os tempos diversos dos sujeitos da EJA e fecham turmas a despeito das demandas dos territórios.

Pessoas que não tiveram seu tempo de formação escolar preservados na infância/adolescência, se vêem mais uma vez às voltas com a rigidez do tempo burocrático da escola, que impõe uma frequência que não considera rotinas de trabalho cada vez mais precarizadas (e que no caso das mulheres, inclui o cuidado com diferentes gerações de suas famílias e o trabalho doméstico não remunerado).

Como exigir que estudantes vivam num fuso horário desconexo do seu território e realidade de trabalhos para conseguir frequentar a escola? Como construir uma política pública efetiva de reparação do direito à educação sem profissionais que vivam no fuso horário da EJA e não de três turnos de trabalho? Quantos filhos, netos e idosos mulheres terão que cuidar sozinhas para conseguir ter seu tempo de estudo preservado?

São muitas perguntas e poucas respostas possíveis quando o tempo da escola é orientado somente pelo fuso do capital centrado em números que não consideram a realidade dos sujeitos concretos e diversos em tempos e demandas.

Sobre a autora
Professora das redes municipais de Betim e BH. Mestre em educação. Apaixonada pela EJA e por boas histórias.


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