Marcelo Silva de Souza Ribeiro
Para quem vive no mundo acadêmico, seja na condição de técnico, estudante ou professor, o ano de 2023 é bastante significativo, uma vez que marca o fim de um ciclo de destruição das universidades públicas. A derrota eleitoral de Bolsonaro e sua antipolítica representou alívio para uma boa parte da comunidade acadêmica e o começo de uma nova caminhada em direção a reconstrução democrática do Brasil.
Não chegou a ser surpresa a constatação da chamada “terra arrasada” das instituições, sobretudo nas universidades, nessa retomada democrática. O sufocamento financeiro e as fake news desferidas contra a imagem das universidades (inclusive as descabidas denúncias do então ministro da educação, Abraham Weintraub, de que havia plantações de maconha nas universidades e laboratórios de química das instituições usados para a produção de drogas sintéticas), somadas às intervenções promovidas por Bolsonaro ou influenciadas pelo contexto antidemocrático, trouxeram profundas desestabilizações para as instituições, principalmente as federais de ensino superior, como foi o caso da UNIVASF, UNILAB, UFFS, UFGD, UFC, UFES, UFRB, UFERSA, UFTM UFVJM,UFRGS, Unifesspa, UFPB, UFPI, UFS, IFSC, IFRN, CEFET-RJ, Unifei e Unirio. Até mesmo alguns reitores interventores de maior verve ao projeto fascista chegaram a criar Associação dos Reitores das Universidades do Brasil (AFEBRAS) gerando um contraponto a importante Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).
Os efeitos dessa “terra arrasada” nas universidades perdurarão algum tempo. Houve uma redução drástica do orçamento com consequências dramáticas e que vão desde sucateamento dos equipamentos até a redução de bolsas e auxílios, fundamentais para a permanência de estudantes, sobretudo os de baixa renda. Contudo, os desafios para a reconstrução das universidades não se limitam à recomposição orçamentária ou ao soerguimento da imagem institucional perante a sociedade. Sem dúvidas que são aspectos fundamentais, mas há um outro que merece dedicada atenção e tem a ver com o esgarçamento da qualidade das relações no âmbito da comunidade acadêmica.
Os ataques sofridos pelas universidades repercutiram na própria autoestima de servidores e estudantes. Aliado a isso, as intervenções bolsonaristas dilaceraram a dinâmica institucional com a implementação de ações autoritárias e desconectadas com os anseios comunitários. Do ponto de vista da gestão, um reitorado não legítimo precisa de barganhas e com isso se instaurou trocas, divisões, discórdias, perseguições e por sua vez isso gerou mágoas, desconfianças e desmotivações.
Importante ainda frisar que toda a problemática da pandemia da Covid 19, e o consequente isolamento social com a necessária implementação do ensino remoto, deixaram sequelas até hoje sentidas. Porém, o contexto político-social instável e negacionista do ciclo bolsonarista potencializou essa problemática que é sentida até hoje nas universidades, seja por conta dos calendários acadêmicos atrasados, os déficits de aprendizagens e até mesmo as questões que gravitam em torno do home office e do ensino remoto.
Essa herança maldita bolsonarista, ou melhor, esse amálgama provocado pelos efeitos da “terra arrasada” nas universidades gera um contundente desafio nesse recomeço, nessa caminhada em direção a reconstrução democrática do país e que passa de modo sensível pela reconstrução das universidades. Reconstruir as universidades é também cuidar das relações.
Sobre o autor
Doutor em Educação. Professor do Colegiado de Psicologia da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf). E-mail: marcelo.ribeiro@univasf.edu.br
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