Quem cola sai da escola?
Jacqueline Caixeta
Sai, lógico que sai, pois colou, teve nota e passou. Não é assim que funciona o sistema educacional? Se você atingir um mínimo de pontos durante o ano, você é aprovado, do contrário, reprovado. Então, se você se achou muito esperto e colou de alguém bom de serviço, lógico que você terá a pontuação e sairá da escola, às vezes, com notas até melhores do que muitos.
Bem, essa lógica diz de uma coisa que não tem nada a ver com o conhecimento, eu costumo chamar de mercadoria. A moeda de troca do estudante com a escola é a nota e vice-versa, muitas vezes a única relação, infelizmente. O aluno só faz o que vale nota. Ele é culpado por isso? Não! Nós, escolas, ensinamos isso a ele todos os dias e assim essa relação medíocre cresce e perpetua por gerações.
Eu, estando há tanto tempo na educação, me coloco nesse balaio de gato. Sinto-me tão incompetente por não ter conseguido mudar essa relação entre o saber e a nota, por não ter conseguido ainda colocar na cabeça do meu adolescente que ele precisa aprender pra saber, pra saber fazer, pra saber ser, pra saber questionar, pra saber produzir, pra saber sobreviver em um mercado de trabalho, enfim, pra saber, simplesmente pra saber e que a nota não deve interessar, que aqueles pontinhos que ele implora nos conselhos de classe, não dizem nada sobre o que é educação e nem sobre ele. Não é possível estar tanto tempo dentro de escolas e não ter sucesso nisso.
É angustiante saber que, nós escolas, somos tão incompetentes que não conseguimos ainda mudar essa ideia da nota, dessa moeda de troca que nada diz do saber, que nada interessa para o mundo, que serve apenas de passaporte para passar de um ano para o outro. Não conseguimos ainda nos libertar desse paradigma de avaliações que só mensuram quantitativamente e assim vão escalonando nossos estudantes e classificando-os em menos ou mais capacitados. Essa relação idiota que pontua e mensura o saber, nada sabe sobre o saber, nada sabe sobre o conhecimento, nada sabe sobre a educação.
Nos prendemos em um discurso de que é preciso ter provas, é preciso ter notas, pois o aluno vai sair da escola e vai encontrar todo um sistema lá fora que vai avaliá-lo, que vai classificá-lo, que para ter bons empregos precisam passar em concursos e terem notas bem acima da média. E a nota, a tal da nota, continua assombrando todo mundo e nos fazendo prisioneiros desse sistema, enquanto, na verdade, nós deveríamos ser os primeiros a mudar tudo isso. Se a educação não virar a mesa, quem irá virar? Continuaremos nessa bola de neve e, incompetentes que somos, produziremos mais incompetência com nossa inércia e covardia. Com nosso medo de propor mudanças.
Muita utopia? Sim. Mas se não pararmos para questionar certas ações educativas, continuaremos a produzir estudantes que não se interessam pelo ato de aprender, apenas querem ter notas para passar de ano e, nem sempre querem consegui-las através de seus esforços. Burlam, colam, enganam, trapaceiam, mentem, tudo isso pra conseguir aqueles pontinhos pra passar de ano. Ora bolas, que tipo de educação é essa? O que estamos fazendo? Quem serão esses estudantes fora dos muros da escola? Que escola é essa que não se move diante de tantos fracassos?
Enquanto não sentarmos nas mesas de discussões com os teóricos da educação, com os que estão com o poder de legislar e mudar, não teremos sucesso, continuaremos a contribuir para que quem está dentro da escola não se encante por ela, apenas queira passar de ano e sair dela, que não se interessa e nem sem preocupa com seu aprendizado, apenas com a nota que vai tirar e assim a escola vai fingindo que tá tudo bem com esse sistema de avaliações falido.
Ah, por que será que ninguém enxerga isso? Por que será que ainda usamos a nota como moeda de troca em um mercado que deveria negociar muito mais do que pontinhos para passar de ano. Um mercado que sua mercadoria pudesse fazer os olhos de nossos adolescentes brilharem só pelo fato de ter acesso. A aula, a sala de aula, deveria ser um lugar mais desejado e entendido como o único passaporte para o mundo do conhecimento, do saber, da realização de sonhos e não aquele espaço que eu preciso frequentar.
Quem cola sai da escola e vai continuar saindo, pois enquanto nota for o que mais interessar, nota teremos. Como? Não interessa. Precisa ter nota, toma nota, escola!
A desonestidade em conseguir uma nota não me representa e nem representa a educação dos meus sonhos. Não me interpretem como alguém que diz ser a favor da cola, meu texto não diz disso, diz de um sistema avaliativo falido que ainda usa a nota para mensurar o saber, que ainda faz da nota algo para representar um aluno, que não conseguiu ainda, por tantas e tantas décadas, abandonar a velha política da pontuação que, como na ação desonesta da cola, não diz nada do estudante.
A escola, o aluno, o conhecimento e o professor, são bem mais, muito mais do que números. Não podemos ser medidos por notas, precisamos ser reconhecidos por nossos talentos, por nossos saberes e como lidamos com eles no mundo. Há de se encontrar maneiras mais inteligentes de fazer uma educação que vá além, muito além de notas para se passar de ano.
Ah, será que ainda verei esta utopia nas escolas do Brasil?
Com afeto,
Jacqueline Caixeta