Que escola é essa?
Henrique Caixeta
Fazendo coro com os textos ADOLESCÊNCIA de Jacqueline Caixeta e Cuidar de Quem Cuida: A saúde mental dos educadores e o clima escolar de autoria de Paulo Henrique de Souza
também resolvi falar um pouco sobre a série do momento. ”Adolescência” é uma minissérie britânica da Netflix de quatro episódios, lançada em março desse ano e conta com 4 episódios. Dirigida por Philip Barantini, a série foi criada por Jack Thorne e Stephen Graham, que atua na série no papel de Eddie Miller, pai de Jamie Miller, personagem principal.
A trama de “Adolescência” gira em torno de Jamie Miller, um garoto de 13 anos acusado de matar uma colega de escola, e mergulha nas múltiplas camadas de uma história que mistura suspense, drama psicológico e crítica social. A série acompanha não só a investigação policial que tenta esclarecer o crime, mas também o impacto da acusação sobre a família e colegas do jovem, além das sessões com uma terapeuta, que tenta entender suas emoções e motivações. Os episódios são narrados do ponto de vista de personagens diferentes, o que oferece uma perspectiva multifacetada dos acontecimentos e dos dilemas morais envolvidos.
*Se você ainda não viu a série, esteja alertado que este texto contém spoilers.
Um dos elementos mais marcantes da produção é a tensão envolvida no contexto de vida dos adolescentes que enfrentam dificuldades do cotidiano e da adolescência complexificados por um crime violento. A série inova ao usar planos-sequência longos e sem cortes, uma escolha que intensifica a tensão e aproxima o espectador da experiência emocional dos personagens, além de forçar um trabalho diferenciado dos atores que entregam uma atuação cheia de emoção.
Uma das coisas que mais me chamou a atenção na série foi o segundo episódio que se passa inteiramente dentro de uma escola. Até então, na narrativa, não temos muitas pistas dos motivos que levaram Jamie a assassinar Katie. No primeiro episódio, o investigador principal comenta sobre outro caso, onde um adolescente que comete um crime tem um histórico de violência familiar, indicando a violência familiar como uma possibilidade de motivação para o comportamento violento de um adolescente tão jovem (13 anos). Mais a frente vemos indícios de que há uma misoginia galopante no comportamento online de Jamie, que publica fotos de mulheres seminuas em sua página, além de comentários com insinuação sexual e violenta. Comportamento comum a um grupo que se convencionou a chamar de “Incels”.
“Incels” ou “celibatários involuntários” em português. Se refere a uma subcultura da internet composta majoritariamente por homens heterossexuais que se sentem frustrados frente a um comportamento feminino de escolha dos parceiros amorosos que os recusa. Ou seja, são homens e meninos, que ao serem rejeitados, ou se sentirem rejeitados por mulheres e garotas, se reúnem em fóruns e sites na internet ao redor de uma cultura masculinista e misógina. Essa frustração costuma ser atribuída, por eles, a fatores como aparência física, status social, ou à ideia de que mulheres só se interessam por certos tipos de homens. Na série é citada uma teoria incel de que 80% das mulheres se interessam por 20% dos homens. Mostrando que enxergam mulheres apenas como possíveis parceiras sexuais e como um grupo homogêneo de escolhas homogêneas. Dentro desses fóruns e sites, características associadas à masculinidade são cultivadas juntamente a um ódio profundo pelas mulheres, o que, em alguns casos, evolui para ataques virtuais e, como no caso da série, físicos.
Voltando a primeira teoria do investigador do caso sobre um contexto de violência alimentar o comportamento violento desses jovens, chego ao segundo episódio da série. “Que escola é essa??”. Foi minha primeira exclamação ao assistir o episódio no qual os policiais visitam a escola dos envolvidos no crime. Me chocou a falta de cuidado com os alunos no contexto escolar e em especial a dificuldade dos professores em se integrar ou mesmo participar do universo dos alunos.
Ao longo do episódio vemos uma escola completamente despreparada para lidar com jovens, na qual professores e funcionários assistem alunos praticarem bullying e não ter nenhuma reação a não ser gritar com os alunos e se afastar, permitindo que a violência continue. Vemos alunos que, acostumados com uma cultura escolar libertina, não se envergonham em desrespeitar os professores, os colegas e os policiais. Me chamou a atenção em especial uma cena na qual uma aluna, amiga da vítima de feminicídio, agride um dos amigos do agressor. A aluna é levada a uma sala onde o diálogo não a leva a se responsabilizar pelos seus atos. Isso após desrespeitar os policiais e sair da sala frustrada. O acolhimento em situações assim é essencial. É uma criança que passa por um luto traumático. Contudo, ela não é levada a um psicólogo, nem tem seu espaço respeitado, uma vez que não é explicado a ela por que estava sendo interrogada ou como ela poderia ajudar. E ainda pior, sem saber como lidar com esse trauma, ela estoura e age por conta própria, e adivinhem? De maneira violenta. Ao final do episódio vemos ela indo sozinha para casa, sem que sua família tenha sido notificada ou qualquer ação administrativa, ou pedagógica, aparentemente, tenha sido tomada. Qual condição real essa menina tem de lidar com seu trauma sem ajuda da família ou da escola quando ela claramente está mostrando que precisa de ajuda?
O episódio todo mostra uma escola fora de controle, na qual alunos que deveriam estar aprendendo, entre outras coisas, aspectos básicos de socialização correm soltos, praticando bullying, desrespeitando funcionários e sendo tratados pelos educadores ou com desdém, ou aos berros, não havendo meio-termo. Não há uma tentativa real de diálogo com os alunos ao nível individual e nem em coletivo.
Em um contexto de uso intenso da internet, na qual os jovens estão expostos a diversos tipos de violência, somos confrontados com uma escola que não consegue lidar com a violência no mundo real e nem se quer sabe da existência da violência virtual que permeia a vida cotidiana desses jovens. Agressores não são levados a lidar com suas próprias ações e sua reverberação, vítimas não são acolhidas e o ciclo de violência se encadeia inflamado por culturas tóxicas. No fim, qual condição esses adolescentes terão de se tornarem adultos saudáveis e aptos a uma vivência coletiva? Que escola é essa?!