Profissão docente: quem cuida e educa aqueles que irão cuidar educar as gerações mais novas em nossas instituições educativas? – Joaquim Ramos e Sandro Santos

Profissão docente: quem cuida e educa aqueles que irão cuidar educar as gerações  mais novas em nossas instituições educativas?

Joaquim Ramos

Sandro Santos

Nos últimos anos, notamos uma crescente preocupação de pesquisadores, de governos e de gestores das políticas públicas, em especial das políticas para a educação, com o atual (e iminente) déficit de professores em todos os níveis de ensino. Conforme afirmam Romélia Mara e Paulo Henrique Avelar de Paiva (2013), o desaparecimento desses profissionais está fortemente vinculado ao abandono, à baixa procura dos jovens para ingresso na carreira e à pouca atratividade da profissão docente em relação a várias outras profissões que exigem o mesmo nível de formação acadêmica.

Essa é uma constatação tão explícita que já não nos assusta ouvir dizer que em um futuro próximo não haverá mais professores para nossas crianças, jovens e adultos. Recentemente – em razão da comemoração do dia dos professores – um programa de televisão entrevistou alunos do Ensino Médio e colocou em discussão a baixa procura dos jovens graduandos pelos cursos de formação de professores. Inúmeros motivos foram elencados para justificar a busca por profissões que passam longe da docência: para além da ausência de valorização, os professores convivem com a insegurança nas escolas, com falta de materialidade, com desrespeito da comunidade escolar, com a violência, com as constantes interrupções das atividades docentes em função das greves e com variados outros motivos que contribuem para que o magistério se mantenha como uma profissão pouco ou nada atrativa. A reportagem seguiu anunciando um “rosário” de aspectos negativos da profissão. Em determinado momento, uma das alunas entrevistadas, contestando a expectativa de desencanto dos demais participantes do programa, dá o seguinte depoimento: “eu serei professora, sim. Afinal, alguém precisa acreditar nesta profissão, pois do contrário, quem irá ensinar as próximas gerações”?

Importa-nos problematizar o seguinte: frente ao atual quadro de descrédito na educação (advindo de todas as direções e de todos os âmbitos sociais), o que leva as pessoas, em sua grande maioria mulheres, a optarem pelas carreiras do magistério? Frente a um quadro de total desesperança, desprestígio e crescente falta de investimento ainda existem pessoas esperançosas – expressão essa que nos faz lembrar Paulo Freire (1999) – com a educação? Que ainda acreditam que os processos educativos possam se configurar como prática de libertação? O fato de a aluna citada demonstrar cuidado para com a socialização das gerações mais novas nos faz refletir também sobre como o cuidado (de si e do outro) tem sido um tema muito pouco presente na visão de formuladores de políticas voltadas para o magistério. Dizendo de modo simplificado: quem cuida daqueles que irão cuidar das gerações mais novas em nossas instituições educativas?

Uma das principais reclamações é que os profissionais da educação – não apenas os docentes – recebem pouco ou nenhum reconhecimento profissional. Muitos desses profissionais convivem cotidianamente com questões inusitadas no interior das instituições escolares. Dentre outros fatores, podemos citar: a profusão de afazeres que extrapola, em muito, as ações vinculadas ao “ensinar” e que em muitos casos comprometem a produção de sentidos (por parte de alunos, familiares e dos próprios professores) sobre o processo educativo. Profissionais em estado crítico de adoecimento e que, por “n” motivos não correspondem às expectativas dos alunos, levando esses últimos a uma relação pautada no desrespeito e no desconhecimento da autoridade docente (não confundi-la com autoritarismo). Ao agregar esses fatores aos baixos salários pagos à categoria, o resultado é exatamente o que foi apresentado no programa televisivo: professores migrando para outras áreas, adoecidos e inconformados por ter a profissão tão desvalorizada e alunos que ingressam no ensino superior com antecipada repulsa às carreiras do magistério, o que nos últimos tempos, como afirmamos no início do texto, tem paulatinamente produzido um quadro de baixa procura pela profissão.

Sabemos bem que não há fórmulas miraculosas. Como enfatizado na reportagem, em se tratando da educação pública, falta respeito por parte de gestores, falta política de reconhecimento e de valorização. Em alguns casos – como apresentado no mesmo programa televisivo – quando não há agressão, há ingerência por parte dos pais de alunos. E o pior, ninguém sabe o que fazer. Tudo isso, evidentemente, torna a profissão pouco atrativa e o profissional, por mais que goste do que faz, acaba sentindo-se impotente e imobilizado frente ao caos que se instala no interior das instituições escolares.

Por outro lado, no campo das lutas sindicais, para além de salários, os professores, de maneira justa, reivindicam dignidade, reconhecimento e condição digna de trabalho. Entretanto, as próprias administrações públicas teimam em ser representantes dos retrocessos e do desrespeito. Os mecanismos burocráticos são colocados à disposição para coibir a luta dos trabalhadores. Muito se discute sobre a pouca eficácia das greves do setor, no entanto, não apareceu ainda, conforme expressão de senso comum – outra ferramenta de luta que consiga mobilizar a categoria e a sociedade.

Autores como Emilio Tenti Fanfani (2007) e Mariano Fernández Enguita (2001), ao compararem a profissão docente entre alguns países da América Latina, reiteram o que está evidenciado também aqui no Brasil: os profissionais da educação são muito desrespeitados em relação aos profissionais de outras áreas de atuação profissional. Em especial, a carreira docente, via de regra, constitui algo de menor valor. Comparativamente, esses autores afirmam que em outras profissões há maneiras de driblar a competitividade e os profissionais conseguem a manutenção do respeito por parte da sociedade. Já com os professores isso não se dá da mesma maneira. O exercício da autonomia não existe e quando vislumbram a constituição de grupos ou associações autônomas esbarram nas burocratizações oficiais.

Desde a promulgação da constituição Federal de 1988, a legislação brasileira evidencia a educação como direito de todos e procura mecanismos para resguardar o direito da criança e do adolescente de frequentarem a escola e a educação básica está quase totalmente universalizada. Isso, como sabemos, de maneira positiva, integra os avanços trazidos pela constituição cidadã. Por outro lado, as variadas funções exercidas pela escola valida a não correspondência do que a sociedade espera. São questões que acarretam desencanto social e profunda sensação de mal-estar docente. Neste cenário, os profissionais se sentem impotentes para a realidade que os circundam. As variadas atribuições, erroneamente, destinadas aos docentes corroboram a fragilidade da profissão. Pretende-se atender a todos de maneira equitativa e equilibrada, mas investe-se muito pouco para tornar factível o que já se encontra no discurso da própria sociedade. Indubitavelmente, a sociedade reconhece a importância da educação para o crescimento das pessoas individualmente e para o desenvolvimento da nação. Entretanto…

Da nossa parte, somos otimistas, esperançosos e lutamos pela valorização e pela qualidade da educação. Acreditamos que é preciso ser “valente”, como a aluna da reportagem, é preciso acreditar em mudanças positivas. Essa aluna, com todo o frescor da pouca idade, afirma o desejo e a esperança na docência e insiste em “nadar contra a corrente” do pessimismo e do descrédito. Assim como ela, imbuídos também do gosto pela profissão, vislumbramos duas possibilidade – obviamente, optamos pela primeira: ou a educação será – verdadeiramente – a principal ferramenta de libertação social e, consequentemente, nossa bandeira de luta e de esperança ou continuará a ser apenas peça publicitária disseminada nas plataformas de campanhas dos políticos de plantão.

Leia mais:

ENGUITA, Mariano Fernández. A la busca de un modelo profesional para la docencia: ¿liberal, burocrático o democrático? Revista Ibero-americana de Educación, n. 25, p. 43-64, ene./abr. 2001.

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 23ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.

FANFANI, Emílio Tenti. Consideraciones sociológicas sobre profesionalización docente. Educação & Sociedade, vol. 28, n. 99, p. 335-353, maio/ago. 2007.

SOUTO, Romélia Mara Alves; PAIVA, Paulo Henrique Apipe Avelar de. A pouca atratividade da carreira docente: um estudo sobre o exercício da profissão entre egressos de uma Licenciatura em Matemática. Pro-Posições, v. 24, n. 1, p. 201-224, jan./abr. 2013.

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