Por um projeto político pedagógico emancipatório na educação básica brasileira – Otavio Henrique da Silva

Por um projeto político pedagógico emancipatório na educação básica brasileira

Otavio Henrique Ferreira da Silva

Em um texto anterior terminamos com a seguinte indagação: “se as crianças são o futuro da “nação”, como dizem, tempos melhores hão de vir?”.

 No contexto em que essa pergunta foi feita, facilmente podemos afirmar que as expectativas não são as melhores. O desmonte nas políticas públicas educacionais, da saúde, do lazer e da cultura, tem sido escancaradamente promovido sob o comando do presidente golpista não eleito pelo povo, Michel Temer. As crianças pobres e que vivem a infância popular são quase totalmente dependentes das políticas públicas: educação infantil pública; ensino fundamental público; saúde pública; maternidade pública; praças públicas; bolsa família; livros gratuitos; entre outras. Então, como acreditar em um futuro melhor para todas as crianças se o que resta do Estado para o povo não empodera, não liberta, não emancipa. Apenas reproduz.

 Reproduz a lógica perversa da sociedade do capital!

 Neste modelo de sociedade existem os aparelhos ideológicos do Estado que são as engrenagens responsáveis por manterem o giro ordenado do sistema capitalista. Entre estes aparelhos, se figura a escola, considerada por Althusser como uma das principais instituições usadas para disseminar a ideologia do sistema. Não é por acaso que em tempos recentes a área da educação tem sido alvo de constantes disputas entre ideologias progressistas e ideologias conservadoras.

 Qual o papel da universidade neste contexto? A educação escolar brasileira, de acordo com a legislação específica, é composta pela educação básica e pela educação superior. Porém, é a universidade que pensa o funcionamento da educação básica e não o inverso, onde teríamos a educação básica projetando a atuação da universidade.

 O problema da ideologia fortemente marcada na educação básica e que reproduz a desigualdade da sociedade, não se refere ao fato da educação básica ser pensada pelo ensino superior, pois afinal, uma formação em um nível mais aprofundado é fundamental para termos em nossas escolas profissionais qualificados.

 O problema deste currículo reprodutivo da educação básica, é que ele é pensado e implantado por diplomados em nível superior que não representam os interesses e as necessidades de melhores condições de vida que afligem os estudantes dos meios populares. Não é por acaso que em uma das conferências do debate temático “A Escola Básica Interroga a Universidade” o professor Miguel Arroyo nos diz: a educação básica sempre foi pensada para o projeto das elites; educação básica é para o povão; bases e diretrizes não são para as elites e sim para o povo.

 Um outro destaque atribuído ao ensino superior está presente na literatura de Boaventura de Sousa Santos, quando este afirma que a universidade ocupa um papel importante para o projeto de um Estado e de um país, porque, é na mesma direção que se caminha o projeto universitário é que se caminhará o projeto de Estado de um determinado país.

 O projeto político pedagógico emancipatório na educação básica virá do interesse e da iniciativa da universidade em modificar suas estruturas de formação, ao se democratizar o acesso à oferta dos cursos de graduação e pós-graduação, com a realização constante das atividades de extensão e, também, na articulação dos resultados das pesquisas realizadas nos cursos de pós-graduação com efetivas contribuições para a educação básica.

 Começando pelo último ponto, é preciso saber até que ponto as pesquisas que são realizadas na educação básica estão apresentando retornos de seus achados para os sujeitos? Como essas pesquisas contribuem para a formação dos professores e demais profissionais da educação, já que elas em grande maioria são pesquisas acadêmicas? Não foi o acaso que levou a criação do Projeto Pensar a Educação Pensar Brasil. Assim, é pertinente questionar que lugar é esse que a academia, que é financiada principalmente com recursos públicos, está ocupando na sociedade brasileira.

 A extensão é a porta de entrada para a comunidade se inserir no ambiente do ensino superior, desfrutando da cultura e dos programas complementares de educação universitária. Comunidade é aqui entendida como o público mais generalizado possível que tenha interesse em participar da universidade, mas que nem sempre são pessoas que possui matrículas acadêmicas.

 A democratização do acesso na universidade é importante para o projeto político pedagógico emancipatório da educação básica porque é acessando o ambiente acadêmico que os estudantes e os egressos das escolas públicas terão a oportunidade de repensarem o modo de educar, cuidar e ensinar que estão presentes nas instituições escolares das quais eles vieram e que continuam a trabalhar com a formação humana de outras crianças, jovens e adultos pertencentes às famílias trabalhadoras da sociedade.

 Por último, esse projeto político pedagógico emancipatório que defendemos nestes tempos de consolidação de uma política governista onde impera a concepção de educação hegemônica pautada pela reprodução sistemática da desigualdade social, é um projeto que não está desvinculado das outras demandas sociais. Por isso mesmo que a universidade precisa modificar a estrutura da formação dos profissionais que são formados para trabalhar na educação.

 A educação não vai educar para a emancipação se ela escolher o caminho que se fecha em si mesma. A formação destes profissionais precisa está pautada pela luta social, pois trabalhadores da educação precisam de melhores salários, carreiras e valorização!

 A formação precisa debater cotidianamente o contexto político, pois não se pode aceitar que diplomados que pensam e planejam a educação básica ocupem posição de omissão e não tenham consciência e discernimento para distinguir as dinâmicas da vida social.

 A universidade precisa modificar a formação dos profissionais da educação básica, porque não se pode mais permanecer imóvel diante a um contexto em que os educadores são intimidados a calarem a boca e impedidos de se expressarem livremente nos debates públicos, como ocorreu com a professora Analise de Jesus recentemente em um debate do Plano Estadual de Educação de Minas Gerais. Muito menos, permanecer imóvel diante a defesa da escola sem partido, defendida por um partido da escola sem partido. Isso, cheira elite. Isso cheira excluir os estudantes filhos povão da política.

 O projeto político pedagógico emancipatório da educação básica, enfim, não se limita apenas nestas perturbações conscientes da ordem social. Ele precisa ser construído diariamente e revisto periodicamente tendo em vista as demandas de políticas educacionais que irão contribuir na educação dos diferentes sujeitos, que têm o direito de viver dignamente e de forma consciente a vida em sociedade.

 

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