Viver a igualdade de gênero na educação básica

Viver a igualdade de gênero na educação básica

Aleluia Heringer Lisboa

A escola, como um lugar social, é chamada a se posicionar sobre temas que afetam toda a população, notadamente os que atingem a vida dos estudantes. Um destes temas é o da igualdade de gêneros. Como toda questão que surge questionando modos arraigados de compreensão e de tratamento entre pessoas e grupos sociais, este tema desperta paixões, defesas e ataques que confundem a opinião pública. Vivemos certo “pânico social” com direito a xingatório ofensivo nas mídias, contudo é necessário enfrentar o tema com senso de justiça e amorosidade.

Os teóricos defensores da igualdade de gênero querem necessárias mudanças no modo de lidar com as diferenças de tratamento entre homens e mulheres para que ambos tenham seus direitos reconhecidos e respeitados, como se requer numa sociedade equilibradamente justa e democrática. E muitos críticos das mudanças consideram que a igualdade de gênero é uma ideologia perigosa e desestabilizadora das famílias. Será que as coisas são simples assim ou estamos diante e uma supersimplificação que confunde ainda mais?

A insegurança se instalou e nos vimos diante de uma balbúrdia que desconsiderou uma vasta produção de conteúdo, fruto do trabalho de inúmeros pesquisadores no exterior e no Brasil, e isso desde as décadas de 60/70. O assunto é bem mais antigo do que se pensa e não é nenhum modismo. O que está acontecendo? Estaríamos ou não falando da mesma coisa? Muitos pais e educadores querem, de forma sincera, entender melhor essa discussão. Em quais pontos, considerados de grande relevância, devemos nos deter em prol de criarmos condições para um mundo melhor para nossos filhos e filhas?

A história natural é básica e estruturante do que surgiu depois, a dimensão cultural. Aliás, é um equívoco, separar de forma absoluta, com corte instantâneo, sem a visão evolutiva, história natural e história cultural. O entendimento da igualdade de gênero como sinônimo de anular as diferenças percebidas entre as pessoas foi a questão que deflagrou a distorção, como se agora “tanto faz” se é menina ou menino ou vice-versa. Contudo, e aí está a essência da conversa, a diferença entre meninos e meninas não deve ser motivo para reproduzir desigualdades ou contribuir para a discriminação.

O conceito de gênero é uma categoria de análise e nos ajuda a entender como as diferenças foram e ainda são percebidas histórica e culturalmente. E também como as diferenças são classificadas e posicionadas a partir daquilo que se entende como feminino ou masculino: riqueza ou instrumento para a discriminação? Para opressão e dominação? Basta uma retrospectiva histórica para identificarmos muitos exemplos.

A escola básica deveria investir tempo e energia na criação de um espaço de convivência sereno, cordial e respeitoso. Quando pessoas, instituições ou um sistema que se sente ou é considerado hegemônico e “o certo”, exibe vantagens ou tenta calar indivíduos ou determinados grupos vulneráveis, está cometendo violência escudado numa posição de covardia.

Se todos nós tivéssemos como valor máximo a não aceitação da covardia e a não violência, estaríamos evitando a evasão escolar de 37,9% dos meninos (IBGE, 2011). Segundo o Manifesto pela Igualdade de Gênero assinado por dezenas de grupos de pesquisa do Brasil, publicado em junho de 2015, eles deixam a escola devido à agressividade e violência, “referenciais de masculinidade perpetuados entre nós”, que geram, além disso, a violência contra as mulheres e discriminam pessoas que fogem dos padrões socialmente aceitos. Isso sim é relevante e é disso que trata a igualdade de gênero na educação.

A história da opressão e massacre dos negros, dos indígenas, dos ciganos, das mulheres, dos homossexuais, dos pobres, dos refugiados, dos que sofrembullying, e de tantos outros, aponta-nos possibilidades mais inteligentes de convivência. Talvez você pertença a algum desses grupos e viva, diariamente, em todos os lugares, aguardando os comentários depreciativos, com medo de agressão, sendo constrangido, ou alvo de algum tipo de “brincadeira” que, para quem não sabe, tem o “nome científico” de violência verbal, física ou psicológica. A covardia se alimenta da vulnerabilidade do outro. Diferenças devem ser, primeiramente, respeitadas e reconhecidas, e nunca eliminadas com nosso ágil chicote moral, por não serem compatíveis com o nosso jeito, crença ou gosto.

Meninos e meninas têm assegurados pela Constituição Federal (1988 – art.6º) a igualdade de condições para o acesso e permanência escolar. Isso ainda não é tão óbvio e natural como parece. No mundo inteiro, por exemplo, muitas mulheres ainda são impedidas de estudar ou não podem trabalhar, sofrem abuso e exploração sexual, são traficadas ou obrigadas a se casar ainda crianças. Não é por capricho que “a igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas” estão entre os 17 objetivos para transformar nosso mundo, estabelecidos pela ONU.

Não há, nessa perspectiva, conhecimento e nem práticas educativas vedadas a ninguém pelo fato de ser menino ou menina, afinal todos irão disputar os mesmos exames e mercado de trabalho. Serão cidadãos e farão política. Submeter-se-ão a entrevistas e terão responsabilidades compartilhadas como pais e mães, tudo em igualdade de condições. Todos e todas terão que ser valentes, corajosos, sensíveis, colaboradores, estrategistas, cooperadores, fortes, delicados, precisos, amorosos, focados, afeitos a multitarefas, entre tantas outras características que foram vedadas a um ou a outro. Isso é uma questão de igualdade de gênero.

Estamos, portanto, falando daquilo que é indispensável para se viver em comunidade no século XXI e não disputando sentidos com crenças, ou mesmo tentando alterar os valores de nenhuma família, tenha ela a configuração que tiver. A escola não pode arcar com todas as coisas que disseram, em algum lugar, ser sua atribuição. Instituição com inúmeras precariedades, entretanto porta uma riqueza ímpar. Por ser um espaço da coletividade, sua substância e matéria-prima estão nas relações entre as pessoas. Os educadores podem fazer de cada gesto uma oportunidade de ensinar que o mundo é grande demais, plural, diverso e que comporta todos. Abrir espaço para que o outro exista não significa que alguém deva perder a sua identidade. Significa, apenas, aceitar que existem tantas outras, que são caras e valorosas para quem as possui. Todos com o mesmo direito ao Sol. Não estaremos fazendo nenhum favor ou sendo generosos, estamos falando, apenas, de direitos.

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