Universidade: experiência na sala de aula

Alexandre Fernandez Vaz

 

Depois de quase duas décadas em um departamento de metodologia de ensino, transferi-me há poucas semanas para um de fundamentos, ambos no Centro de Ciências da Educação da UFSC. O movimento tem algum significado pessoal e um conjunto de implicações profissionais. A principal dela é que passei a ser professor, pelo menos no presente semestre, de Filosofia da Educação para o curso de Pedagogia.

Fui lançado a duas situações novas. A primeira se refere à disciplina propriamente dita, que introduz a Filosofia como campo de conhecimento e modo particular de abordagem sobre seus objetos, dando também rumo à Educação como problema filosófico. Se as coisas acontecerem conforme o previsto, saímos de Platão e chegaremos a Montaigne, em variações temáticas ortodoxas, mas também inusitadas. A segunda é ser professor da primeira fase do curso, encontrando alunos e alunas que, em maioria, recém completaram o ensino médio.

Deparar-me com esses jovens para ensinar algo de Filosofia tem sido, ao menos nessas primeiras semanas de aula, fascinante. Curiosos, abertos, animados, mas com formação muito fragmentária, enfrentam os desafios do exercício do pensamento filosófico com garra e inteligência. Com frequência, surpreendem. Sua postura barra um pouco dos efeitos nefastos da semiformação – movimento dos esquemas da indústria cultural que encontra sede na Educação, conforme ensina Theodor W. Adorno – a que foram submetidos durante a maior parte de suas vidas.

Fui jovem em outro tempo. Quando ingressei na UFSC como aluno, logo me levaram à Biblioteca Central para aprender como funcionavam fichas e catálogos para livros e periódicos, além do Comut, sistema custoso que podia nos trazer cópias de artigos de revistas ausentes do acervo da Universidade.

Naquela tarde com sol já oblíquo que esfriava o outono em Florianópolis, descemos alguns degraus e chegamos à Videoteca. Lá assistimos a um debate gravado em VHS, suponho que na PUC-SP, com Paulo Freire e Marilena Chauí. A professora dizia que muitos universitários de então balizavam a avaliação das aulas pelo divertimento que lhes causava. “A aula é chata”, dizia ela, não é resultado razoável de uma análise. A vida universitária exigiria critérios de outra ordem para a avaliação. A nós parecia que ela sabia do que estava falando.

Leitura obrigatória na página 2 da Folha de São Paulo, às segundas-feiras, e em livros como Conformismo e resistência: aspectos da cultura popular no Brasil, O que é ideologia e Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas, Chauí tinha nossa admiração. Além disso, líamos Baruch Espinoza como contraponto a René Descartes na instituição da Modernidade e guiávamo-nos pelos textos de interpretação e comentário daquela que era um modelo intelectual.

Mas ela era também uma grande professora em sala de aula. Por isso podia afirmar com propriedade, naquele mesmo debate, que a atenção de alunos e alunas já não passava de meia-hora seguida. Atribuía isso ao predomínio da televisão como veículo cultural, cujo ritmo impunha aos espectadores a impossibilidade de concentrar-se por um longo período. Segundo explicava, a concentração ia e vinha ao sabor temporal dos programas de TV e suas seguidas interrupções para propaganda.

Algo mudou de lá para cá, para pior. A concentração de alunos e alunas já não dura nem mesmo a meia-hora da qual falava Chauí no início dos anos 1980. Ao ritmo das redes sociais, sempre disponíveis para o imperativo de gozar a qualquer custo – e novamente, e outra vez, de maneira incessante – tudo parece durar pouco e logo há que ser entrecortado por algo que não pode esperar na timeline do smartphone (o tal telefone esperto). Suponho que no horizonte de nosso tempo essa tendência é irreversível, até porque também a minha geração, que escreveu trabalhos universitários à mão e ou os datilografou, foi tomada pelos mesmos dispositivos. Sintoma, quem sabe, de algo regressivo e infantilizante que nos seduz e, perversamente, parece mitigar o sofrimento, mas promove mais e mais ansiedade.

Volto ao primeiro ponto. Cerro fileiras com os que entendem que a sala de aula é um lugar de produção de conhecimento e que tal espaço deve ser valorizado como tal. Uma visão restrita de pesquisa tem feito com que haja desvalorização do trabalho docente. Por outro lado, é bom destacar que há algo de demagógico na sua supervalorização em detrimento do trabalho de investigação. Não diria que é preciso buscar um equilíbrio entre as duas atividades (ao que se agregaria a extensão), mas uma soma de forças que alimente e potencialize, de lado a lado, os esforços. É falsa a ideia segundo a qual as aulas subtraem tempo da pesquisa, a menos que consideremos que é razoável reproduzir em sala o mesmo procedimento, a mesma abordagem, semestre atrás de semestre, sem a procura por novas elaborações. Ministrar boas aulas na graduação exige tratamento novo, demanda pensar sobre o que se pesquisa. Supõe preparação para além da confecção de lâminas de PowerPoint, depois disponibilizadas online. Acontece o mesmo na pós-graduação, onde a complexidade não é, ao contrário do que se costuma propagar, tão superior à da graduação.

Em suas aulas, Adorno dizia que a Filosofia não é relatável, que ela só faz sentido ao ser reelaborada com alunos e alunas, como um pensar rigoroso em movimento. O Mestre chegava a sugerir que não se tomasse nota nas aulas, propondo atenção integral ao diálogo filosófico. Para o Professor de várias gerações, havia uma diferença fundamental entre o exercício de elaboração em um seminário e a leitura individual de um texto por parte dos estudantes. Tratar-se-ia de outra experiência que, como tal, deve valer por si mesma e ter efeito formativo.

Há uma dignidade na produção do conhecimento pelo exercício retórico, na fala que anuncia e pergunta, retoma e duvida. Que dialoga. Enfrentemos e valorizemos a sala de aula. E sigamos com a pesquisa.

Petrolina, Pernambuco, agosto de 2017.

 

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