Uma refutação ao projeto Escola Sem Partido – exclusivo

Matheus da Cruz e Zica

Parte II

Iniciamos nossa crítica a esse projeto de lei intitulado “Escola Sem Partido”, assinado pelo Senador Magno Malta, em artigo anterior intitulado Parte I. A seguir continuamos com o trabalho de desconstrução epistemológica dos argumentos apresentados no projeto mencionado.

Já foi dito no outro texto que o referido proponente do projeto é formado em Teologia, e em sua página oficial na internet se auto intitula hipocritamente como músico e não como pastor, que há anos tem sido sua verdadeira atividade principal no Estado do Espírito Santo, fator importante para que conseguisse se eleger por esse Estado na década de 1990 como Deputado Estadual, Federal e nas últimas duas décadas, como Senador. Por que quer esconder esse elemento de sua biografia em sua página oficial?

Não deixa de ser digno de nota, portanto, o fato de que seu projeto esteja sendo analisado, nessa oportunidade, por um professor tanto da área da Educação quanto da área das Ciências das Religiões. Diante da fragilidade da proposta de lei escolhemos apenas os artigos mais problemáticos de seu projeto para a construção de nossas refutações que se continuam a seguir.

Ainda sobre o Art. 5º.

No exercício de suas funções, o professor:

III – não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas;

Em relação à propaganda político-partidária podemos até concordar com o que foi estabelecido, mas esse argumento vai por “água abaixo” no momento em que nos damos conta de que o verdadeiro processo educativo é mobilizador e que, ao fazer o sujeito refletir sobre o seu lugar no mundo, esse sujeito será indiscutivelmente impactado no sentido de fazer algo pelos destinos comuns de sua sociedade, muito mais que de seu clã, de sua igreja, ou de sua família. Defender ideias pautadas nas nobres garantias de um destino comum satisfatório da comunidade passa necessariamente por participar de manifestações, atos públicos e passeatas. Portanto, podemos afirmar com toda segurança que essa cláusula é apolitizante e antidemocrática.

Ainda sobre o Art. 5º.

No exercício de suas funções, o professor:

IV – ao tratar de questões políticas, socioculturais e econômicas, apresentará aos alunos, de forma justa, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito;

É justa a demonstração da pluralidade de visões sobre determinado tema, mas a ausência de posicionamento em torno de um debate científico é falaciosa e injusta. Todo conhecimento é construído a partir de determinados pressupostos e cada professor tem seus pressupostos que não podem ser escondidos ou proibidos de serem explicitados, sob a pena de simplificarem e mascararem o real processo de construção do conhecimento.

Ainda sobre o Art. 5º.

No exercício de suas funções, o professor:

V – respeitará o direito dos pais dos alunos a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com as suas próprias convicções;

Repito aqui os meus argumentos contra o item VII do Artigo 2º do fraco projeto de lei apresentado pelo pastor cantor senador Magno Malta. Ele negligencia os itens I e II do Artigo 2º de seu próprio projeto de lei, quando faz essa afirmação, pois esse item V do artigo 5º entra em confronto direto com eles. Se os pais fecham a educação de seus filhos em uma religião e moral de acordo com suas convicções particularizadas, como estariam cumprindo o que está estabelecido nos dois primeiros itens do artigo 2º já acima referidos? A saber:

I – neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado;

II – pluralismo de ideias no ambiente acadêmico

Ainda sobre o Art. 5º.

No exercício de suas funções, o professor:

VI – não permitirá que os direitos assegurados nos itens anteriores sejam violados pela ação de estudantes ou terceiros, dentro da sala de aula.

O que se sugere aqui é a ausência de debate e confrontação de pontos de vista em sala de aula. A escola é o lugar por excelência de aprendizado com o convívio com a diferença e inevitavelmente os alunos irão e deverão ser confrontados em suas noções particulares no espaço público da sala de aula. Essa confrontação é extremamente necessária no sentido de que compreendam que a diversidade existe e deve ser respeitada. Esse item é mais um que cheira a um sectarismo fascista.

Sobre o Artigo 7º:

Os professores, os estudantes e os pais ou responsáveis serão informados e educados sobre os limites éticos e jurídicos da atividade docente, especialmente no que tange aos princípios referidos no art. 1º desta Lei.

O argumento contra o problemático artigo 3º do minguado projeto de lei apresentado pelo pastor Malta precisa ser retomado na refutação desse 7º.

Mais uma vez, onde deveria reinar o espaço de liberdade e de fruição das ideias dos professores e alunos, ambiente adequado para o exercício do conhecimento, o projeto quer instalar o clima de LIMITAÇÃO!!! Isso com certeza se deve às limitações intelectuais de Malta e seu grupo. Mais um artigo em que a fogueira estaria à espreita. E assim a proposta segue em seu intuito de retroceder a educação brasileira às práticas obscurantistas de alguns séculos atrás.

Para terminarmos nosso diálogo com esse fatídico texto fascista, citemos o Artigo 8º e o Parágrafo único que fecham sua proposta espúria:

Art. 8º. O ministério e as secretarias de educação contarão com um canal de comunicação destinado ao recebimento de reclamações relacionadas ao descumprimento desta Lei, assegurado o anonimato.

Parágrafo único. As reclamações referidas no caput deste artigo deverão ser encaminhadas ao órgão do Ministério Público incumbido da defesa dos interesses da criança e do adolescente, sob pena de responsabilidade.

Quem se lembra dos cartazes propostos no artigo 3º desse panfleto autoritário? Os desobedientes já alertados diariamente seriam punidos exatamente por essas comissões-fogueiras!

Contra a liberdade de fruição, aspecto imprescindível para o exercício pleno do conhecimento, nosso limitado pastor cantor senador, quer instalar o antigo clima de delação, de falta de solidariedade e de punição entre os cidadãos brasileiros. Ao invés de privilegiar as instancias de diálogo e de busca de soluções coletivas, as questões das diferenças na escola, que poderiam ser motes para o aprofundamento da experiência democrática brasileira e de conhecimento mutuo entre grupos distintos, se tornam assim questão de polícia.

Fazemos um apelo, portanto, a todos aqueles que nos leem nesse instante para que lutemos juntos contra esses retrocessos enquanto são ainda apenas propostas. As asserções desse projeto de lei vão contra o espírito democrático, vão contra a generosidade que marca a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, publicada após a Segunda Guerra Mundial, e contra o senso humanista característico de nossa Constituição Brasileira de 1988.

Só admitiremos projetos de lei que venham a aprofundar o caráter democrático de nossas instituições e jamais consentiremos em apoiar retrocessos legais a respeito de conquistas populares e em garantias de liberdade e diversidade no espaço público.

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