Uma Pátria em Reformas

Dalvit Greiner de Paula

Toda vez que se fala em reformas eu me lembro de uma casa. Tudo bem, um país é comparável a uma casa que abriga milhões de pessoas. Se pegarmos o poeta fluminense Coelho Neto, ele compara nossa sociedade a uma fazenda. Amigo de Olavo Bilac, escreveram várias coisas juntos e uma deles chamou-se “A Terra Fluminense”. Pequeno livro de contos pátrios, onde “a História e a Fantasia andam unidas e procuramos aproveitar os assuntos, de maneira que pudessem eles interessar não somente a inteligência, mas também o coração das crianças”. Livrinho pequeno no tamanho, para entregar para a meninada da escola, cheios de boas intenções conformistas, para nenhum menino desconhecer o seu lugar na sociedade. E nunca desobedecer. Um livrinho que ajuda você a entender um pouco dos processos de reformas pelos quais passa o Brasil.

E seguem os títulos: A terra, o homem, o carro de bois, o rio, a primeira estrada de ferro até atingirmos o conto que considero o mais emblemático: O velho trabalhador. Os capítulos antecedentes falou-se de índios bravos que foram “recuando de campo em campo, de monte em monte e, arrancadas as caiçaras das suas tabas, alvejaram os primeiros muros, e os campos bravos, sulcados pelos arados, receberam dos semeadores as primeiras sementes”, sinal de civilização. Veja a sequencia: natureza, homem, técnica, natureza, técnica. O trabalho fica subentendido, até que aparece o único e verdadeiro trabalhador, já velho, construtor de tudo. A primeira expressão é de guerra contra os indígenas (recuando de campo em campo); a civilização chega arrancando – violência – as caiçaras das suas tabas. Um relacionamento sempre violento na construção dessa terra fluminense. Aliás, justiça seja feita, é toda a América e não apenas a Terra Fluminense. Mas, o velho trabalhador…

Ele é um velho preto, meigo e sem dentes que já não podia andar; a casa era uma toca naquele lindo sertão fluminense reservado para ele pela “gratidão dos donos da terra”. Em troca, agora contava histórias às crianças e dava conselhos aos colonos adultos e, apesar disso, foi considerado pelos autores como “um pobre preto ignorante”. Depois de contar a sua história de perdas e sofrimentos, o velho trabalhador que construiu toda aquela fazenda diz: “Não sofri muito, não, moço, porque fui sempre trabalhador, e o trabalho faz a gente feliz…” Que lição a dar aos meninos e meninas das terras fluminenses e de todo esse Brasil, não é mesmo? O trabalho faz a gente feliz e não deixa a gente sofrer…

Tudo isso é apenas uma amostra desse livrinho maravilhoso para se entender a relação entre índios, brancos e pretos nesse Brasil pós-Abolição. A terra fluminense é um micro Brasil. O livro de Olavo Bilac e Coelho Neto é demonstração das reformas que se faz no Brasil. A fazenda recebeu colonos, deu-lhes casa e terra para plantar (claro que em situação sub-humanas também…) e ao velho trabalhador escravo, a caridade de um pedaço de terra para morrer. O processo abolicionista foi um processo de reforma da casa-grande, não do país que tinha e tem uma senzala que precisa desaparecer. Mas, reformas não fazem desaparecer senzalas; transformam-as em quartos de empregada, favelas, etc.

E reforma é isso mesmo, você pode quebrar uma ou outra coisa, mas a estrutura fica intacta. Imexível. Algumas reformas são demãos de tinta para esconder uma ou outra rachadura no reboco; uma troca de um ou outro azulejo fora de moda por um mais moderno que agrade aos olhos. Reforma de casa dá emprego para os de baixo e os do meio: pedreiros e seus serventes, arquitetos e seus cortineiros e marceneiros. Cortina é bom porque não mostra o lado de dentro e o deixa mais bonito ainda para quem está de fora.

O Estado no Brasil surgiu de uma reforma em 1822, não de uma quebradeira geral que pusesse tudo abaixo e começasse de novo, aplainando a terra, igualando. Daí seguiu-se que o Brasil continuou reformando seu Estado mal-nascido, porém nunca para os brasileiros. Nas reformas que o Brasil fez, grandes e pequenas, uma elite sempre exigiu que o Estado se assemelhasse aos europeus e estadounidenses, os modelos de sucesso e beleza. Essa elite se apoia numa classe média que estudou o suficiente para aprender a técnica e que faz o serviço de reformas como forma de garantir o seu cantinho na cozinha, na antessala, no corredor e em algum quartinho pequeno, sem janelas. Até mesmo uma casinha no quintal (em suaves prestações). Sua principal função nesse processo de reformas da casa é manter os pretos e pobres na senzala, subsolo da casa grande, quietinhos, de maneira que eles não se mexam para não derrubar tudo.

É essa classe média, que põe o seu conhecimento a serviço dos tomadores da casa, que acredita que o único serviço público aceitável é o de polícia para manter longe qualquer poeirinha que suje as paredes alvas, qualquer pedra que quebre as janelas e desorganize tudo. É essa classe média que faz a manutenção permanente da ordem. Ela adora uma reforma!

A necessidade que a nossa luta aponta é de quebrar tudo para, enfim, erguer o novo!


Imagem de destaque: Charge “ORDEM DO DIA: O NOVEO BATALHÃO”. O MALHO, 15 de novembro de 1915. Biblioteca Nacional.

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