Tchernóbil são muitas

Libéria Neves

Assistir ao espetáculo NIGHTVODKA significa ter uma experiência estética de fato embriagante.

O casamento que comemora uma década, entre o grupo de teatro Armatrux e o diretor e dramaturgo Eid Ribeiro, nos brinda com uma obra de arte, cênica, multiestética, livremente inspirada no livro “Vozes de Tchernóbil – A história oral do Desastre Nuclear”, escrito pela bielorrussa Svetlana Alexiévitch, ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura em 2015.

Proposta muito oportuna para este momento em que parecemos entorpecidos pela banalização das grandes destruições diárias, avalizadas pelo discurso do capitalismo amparado pelo discurso da ciência.

Do desastre de Tchernóbil, ocorrido nos idos de uma República Ucraniana ainda soviética, ao desastre de Mariana, ocorrido há exatos dois anos e 168 quilômetros de Belo Horizonte, passaram-se 30 anos. Uma distância de tempo que parece muito mais curta, talvez em função do volume e da velocidade das imagens que nos atravessam diariamente num bombardeio de fatos e fotos não raro insuportáveis. Essa lógica contemporânea de substituição da palavra pela sobreposição de imagens, instantâneas, não nos permite refletir sobre a angústia que nos causa o Real da violência do descumprimento do pacto civilizatório. É o fim do trágico!

Numa outra via, o livro de Svetlana Alexiévitch nos apresenta o desastre, ocorrido em 1996, por meio das vozes dos envolvidos – depoimentos de cientistas, soldados, operários e viúvas das vítimas do episódio, de um modo que a informação jornalística não consegue transmitir. Permitindo, pela via da palavra, aproximarmo-nos do mal-estar no outro.

Já o espetáculo NIGHTVODKA nos apresenta a tragédia de Tchernóbil por meio dos corpos impecáveis dos atores; de um cenário-instalação; da poesia; da dança; do cinema; e de um quase insuportável show de “rock’ n’ russo”, cuja tradução torna-se dispensável diante da projeção de infindáveis cenas das mais bárbaras destruições humanas. Permitindo, pela via do sem-sentido, aproximarmo-nos do mal-estar na civilização.

O espetáculo deixa claro que Tchernóbil são muitas: a destruição da Amazônia; as 440 usinas nucleares espalhadas pelo mundo, sujeitas a acidentes e a atentados terroristas; os refugiados que “morrem na praia” como perdedores num jogo de sobrevivência; os novos loucos que governam e exploram o mundo; é a fumaça que exala do consumo adestrado; é o lixo do excesso; é a corrupção e a impunidade dos poderosos; é a cassação dos direitos da massa trabalhadora; é o golpe!

O conjunto em cena, a partir de seus recursos estéticos, parece tocar-nos num ponto fora da linguagem – incomoda! E ainda nos faz remeter ao quão estamos anestesiados, entorpecidos, embriagados, exaustos, quase apáticos diante do desastre de cada dia.

Diferentemente do efeito da pura informação enlatada pela grande mídia, NIGHTVODKA provoca e mobiliza; fazendo com que muitos se levantem da cadeira do teatro com vontade de fazer parar a pulsão de morte que tomou um grande impulso nesses últimos episódios da civilização.

Esse é um efeito da arte. E talvez seja o que a torna tão “perigosa” aos olhos dos pretendentes a donos do mundo. A arte, de fato, não salva. A arte é um ato de resistência. A arte abre uma brecha para a pulsão de vida!

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