Sobre o livro “EDUCAÇÃO PARA A DEMOCRACIA: projetos inspiradores das professoras e professores do Brasil”

Ademilson de Sousa Soares*

 

Vivemos tempos bicudos, como disse a nossa ex-presidenta Dilma Rousseff, eleita com mais de 54 milhões de votos e injustamente afastada da Presidência da República. Nesses tempos, é importante reunir todos os esforços para que os professores, as escolas e todos aqueles que atuam em prol da educação das novas gerações possam se engajar nas lutas pelo restabelecimento da democracia e do Estado de Direito no Brasil. A aproximação proposta pelos autores que se engajaram nessa empreitada deve ser vista como parte desse esforço de não isolar as ações educacionais dos contextos que as possibilitam ou que as impedem. Contextos que busquem articular educação, política e cidadania contribuem para posicionar adequadamente a ação da escola e de seus professores, visando garantir o compromisso de todos com um país que garanta a todos direitos iguais à vida, à dignidade, ao trabalho, à cidadania e à participação política.

Nesse sentido, é preciso louvar e destacar a iniciativa dos participantes da empreitada que resultou na publicação do livro “Educação para a democracia: projetos inspiradores das professoras e professores do Brasil” pela Editora LiberArs no ano de 2018. Organizado por Otávio Henrique e Marina Murphy, o livro discute a relação entre educação, política e democracia em três partes: anos iniciais do ensino fundamental, anos finais do ensino fundamental, e ensino médio. A publicação expressa parte das experiências vividas pelos autores na caminhada durante o Curso Missão Pedagógica no Parlamento 2017 promovido pelo Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento da Câmara dos Deputados. O curso foi dirigido a professoras e professoras do Brasil com projetos inspiradores que relacionam educação e política. O grupo de professores participantes decidiu então compartilhar as vivências nessa jornada que envolveu crianças e jovens estudantes de diversas escolas públicas brasileiras. O contexto social, econômico e político adverso vivido no Brasil após o Golpe de 2016, que tem atingido a educação pública no país com a redução drástica de investimentos, não impediu que o projeto fosse realizado e que as experiências fossem relatadas, conforme mencionam os organizadores do livro.

Vale lembrar que a conjuntura política e social brasileira atual, representada por uma grande ofensiva conservadora e neoliberal, tem afetado de forma negativa cada vez mais as políticas públicas, sobretudo, o direito das crianças, jovens e adultos de terem acesso a uma educação pública, gratuita, laica e com qualidade social. Essas medidas têm reduzido drasticamente os investimentos de recursos estatais em educação pública, congelando as carreiras dos profissionais da educação, privatizando parte do ensino superior das universidades públicas e deixando a população cada vez mais insatisfeita e refém de um sistema político que sofre com a carência de bons representantes (SILVA; DINIZ, 2018, p. 12).

Sobre os projetos desenvolvidos nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, foram apresentados no livro os trabalhos das cidades: Monte Carmelo-MG, Brasília-DF, Alvorada-RS e Serra-ES. Os temas desses projetos foram: “educar como ato político que transforma”, “educação e política”, “cultivando cidadania”, “democracia e identidade”, “cidadania na escola pública”, “valores democráticos” e “política no ambiente escolar”. Os autores dos textos mostram que é possível e necessário discutir com as crianças de 6 a 10 anos de idade, estudantes dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, o que a educação pode transformar na política e o quanto a ação política pode transformar a educação na escola e na vida social como um todo. Valores democráticos e cidadania podem e devem ser vivenciados desde cedo no ambiente escolar.

Sobre os projetos desenvolvidos nos Anos Finais do Ensino Fundamental, foram apresentados no livro os trabalhos das cidades: Santo André-SP, Corupá-SC, São Julião-PI, Fortaleza-CE, Ibirité-MG, Cocal-RO e Iperó-SP. Os temas desses projetos foram: “construindo democracia”, “bananicultura como patrimônio imaterial”, “participação política”, “inclusão para a democracia”, “representação política e democracia”, “sou cidadão, sim” e “educação e cidadania do local para o global”. Os autores dos textos mostram que é possível e necessário discutir com os adolescentes de 11 a 13 anos, estudantes dos Anos Finais do Ensino Fundamental, que temas como inclusão, democracia e cidadania dependem da participação política do povo brasileiro. Essa participação pode e deve ir do local ao global e do global ao local. Se as crianças e os adolescentes aprendem desde cedo que a história de um país é construída pela luta de seu povo, fica mais possível conquistar e manter uma sociedade cada vez mais democrática.

Sobre os projetos desenvolvidos no Ensino Médio, foram apresentados no livro os trabalhos das cidades: Itaperuçu-PR, Maragogi – AL, Vitória-ES, Campina Grande-PB, Bonito-PE, Petrolina-PE, Paraupebas-PA, Araguaína-TO, Santa Inês-MA, Taperoá-PB, Rio de Janeiro-RJ, Campo Grande-MS, Belém-PA, Palmas-TO e Macapá-AM. Os temas desses projetos foram: “conhecendo a democracia”, “cartas aos vereadores”, “protagonismo estudantil”, “jogo da política”, cidadania e promoção da saúde”, “responsabilidades coletivas”, “protagonismo juvenil e vivência democrática”, “diálogo como fundamento da cidadania”, “voto, democracia e cidadania”, “o papel do cidadão”, “conhecimento, democracia e participação”, “eu político”, “direitos humanos na sociedade desigual”, “escola tomando partido”, “a matemática em prol de ações conscientes”, “viver e aprender democracia”, “inspiração e trocas entre gerações”, “saúde, sexualidade e cidadania”. Os autores dos textos mostram que é possível e necessário discutir com os jovens do Ensino Médio como é importante o protagonismo estudantil e juvenil para a conquista de uma sociedade justa e democrática incluindo nessa pauta temas como direitos humanos, promoção da saúde, eleições, diálogo e trocas entre gerações, sexualidade e cidadania.

No texto “escola tomando partido”, o professor Binho (2018) do Rio de Janeiro avalia o quanto o projeto foi importante para toda comunidade escolar e o quanto os pais reconhecem o trabalho do professor a partir daquilo que os filhos comentam em casa. Isso mostra que quando nos dedicamos com afinco essa dedicação é reconhecida e retribuída no sentido de articular os saberes locais e populares com os saberes disciplinares e escolares, promovendo a transição de uma visão do micro ao macro e do macro ao micro.

Gostaria de registrar que estas observações partem do meu olhar, já que ainda não ocorreu nenhuma avaliação no sentido mais formal. Vejo pelo olhar dos envolvidos um prazer maior de fazer parte da escola, ouço também a opinião de pais que vão até a escola e ficam felizes de falar comigo dizendo: – o senhor é o professor Binho? – meu filho fala muito do senhor! Modéstia à parte e retirando o senhor, fico muito feliz em ouvir estas observações traduzindo destarte o encanto que buscamos no projeto. Podemos observar também com este simples relato, que o envolvimento dos participantes ocorreu, suas habilidades e saberes locais (empíricos) foram conectados para a resolução e entendimento do que propunha o projeto, assim como a existência entre a conexão das disciplinas e seu uso no dia a dia. Ainda é cedo para avaliarmos se o projeto operou mudanças na visão do macro pelo micro, mas como a vida, o projeto se pretende ativo e mutante podendo surgir a qualquer momento esta transformação (BINHO, 2018, p. 253).

Também nessa perspectiva de transformação social e de valorização dos saberes locais, Silva (2018) mostra o quanto foi importante o desenvolvimento desse projeto para os estudantes do ensino fundamental da cidade de Ibirité, em Minas Gerais, garantindo um processo de construção coletiva que envolveu os estudantes, suas famílias e seus professores. O engajamento e a participação em todas as etapas do projeto foram valorizados.

Para selecionarmos o grupo de estudantes que participaram da atividade no Congresso Nacional, construímos coletivamente com os estudantes, famílias e grupo de professores, uma avaliação que contemplou a produção e participação dos estudantes nas etapas anteriores do projeto. Em geral os critérios de avaliação foram: se o estudante é participativo e empenhado, se apresenta um bom comportamento, assiduidade na escola, se está em dia com as disciplinas, se sabe ouvir os colegas, se possui capacidade de expressão, interesse em política e nos temas abordados pelo projeto, se escreveu o projeto de lei realizado na disciplina de português, se participou da visitação na Câmara Municipal, na visitação à ALMG, no debate sobre “Movimento das Mulheres, Feminismo e Política”, na seção cinema sobre a situação das mulheres na sociedade e no debate sobre “Negros em Movimentos e a política” (SILVA, 2018, p. 127).

Esse processo de engajamento e de participação política é muito importante no sentido de discutir com as novas gerações de estudantes que somente o empoderamento dos jovens, das mulheres, dos negros e de todos os excluídos poderá assegurar a conquista de uma sociedade que seja efetivamente democrática e que garanta justiça social e igualdade de direitos, sobretudo para as populações historicamente marginalizadas e oprimidas.


*Professor da Faculdade de Educação – UFMG

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