Série: Golpe da coalizão PiG/PBBB no Brasil (2016) em diálogo com O 18 Brumário de Luís Bonarparte (1852) – exclusivo

 Matheus da Cruz e Zica

Prólogo

Os professores não são, certamente, apenas cientistas que se envolvem em questões da esfera pública política na perspectiva de um observador. Eles são também cidadãos da sociedade. E eventualmente tomam parte na vida política de seu país na qualidade de intelectuais. (…) O intelectual deve fazer uso público do saber profissional que possui, por exemplo, na qualidade de filósofo, escritor, físico ou cientista social, independenmente de seus contratos pessoais ou de instâncias superiores. Sem deixar de lado sua imparcialidade, ele tem de manifestar-se à luz da consciência de sua falibilidade. Deve limitar-se a temas relevantes e fornecer informações objetivas, além de bons argumentos. Deve, por conseguinte, envidar esforços para melhorar o nível discursivo das controvérsias públicas, o qual é, ainda, lastimável. (Jürgen Habermas. Entre Naturalismo e Religião: estudos filosóficos. p.29)

Foi levando em consideração essas palavras de Habermas que nos atrevemos a escrever essa Série de 4 artigos interligados sobre a situação atual do Brasil. Se neles conseguiremos nos aproximar dessas diretrizes apontadas pelo filósofo citado o leitor é quem irá dizer. De nossa parte só podemos declarar que foi nessa direção que firmemente tentamos seguir no diálogo que propusemos entre a situação atual brasileira e outro golpe, bem mais antigo, analisado por Karl Marx em meados do século XIX. Golpe orquestrado por Luís Bonaparte, sobrinho de Napoleão Bonaparte, na França dos anos idos de 1851 e 1852.

Por que diabos fazer essa comparação? Não seria melhor deixar o passado para lá? É Hanna Arendt quem nos esclarece a esse respeito:

(…) estamos ameaçados de esquecimento, e um tal olvido (…) significaria que, humanamente falando, nos teríamos privado de uma dimensão, a dimensão da profundidade na existência humana. Pois memória e profundidade são o mesmo ou, antes, a profundidade só pode ser alcançada pelo homem através da recordação. (Hanna Arendt. Entre o passado e o futuro. p.138)

Aprofundar-se é estabelecer relação com a tradição. Não é a primeira vez que a elaboração crítica de um golpe se torna necessária. Muitos outros já o fizeram em outros tempos. Portanto o que Hanna Arendt vem nos lembrar é que temos muito a aprender com esses que nos precederam, ainda que não no sentido de simplesmente repeti-los. Fomos assim, ao longo dos artigos, tentando costurar nossas análises às de Marx, costurar os eventos da atual conjuntura brasileira aos do passado, procurando na maioria das vezes identificar continuidades e rupturas entre esses dois contextos históricos distintos e, também, entre nossos pontos de vistas analíticos que também não exatamente os mesmos dos que Marx produziu em meados do XIX.

Entretanto advertimos desde já ao leitor que às vezes o tom dos artigos se torna com frequência um tanto contundente. Isso se dá em parte pelo diálogo com o engajamento incondicional que era próprio à escrita de Marx e, em parte, devido à extrema insatisfação com que temos visto episódios grotescos e radicais na direção inversa à Democracia perpetrados pelo atual governo interino de Michel (Fora) Temer.

Feitas essas considerações iniciais temos, portanto, o prazer de hoje iniciar a Série: Golpe da coalizão PiG /PBBB  no Brasil (2016), em diálogo com O 18 Brumário de Luís Bonarparte (1852), composta de 4 artigos independentes entre si, mas conectados em suas temáticas. Por PiG estamos entendendo, em conjunto com Paulo Henrique Amorim: “Partido da Imprensa Golpista, composto de O Globo, Folha, Estadão e seus subprodutos. A Abril não é propriamente do PiG, porque a “aristocracia” do PiG jamais aceitou os judeus italianos da Abril em seus salões. A Abril e a Veja se incorporavam ao PiG por interesse. E pelos mesmos interesses eram aceitos, desde que ficassem na cozinha” (Cf. O Quarto Poder: uma outra história. São Paulo: Hedra, 2015). Por PBBB estamos entendendo, em conjunto com Marilena Chauí: “Partido do Boi, da Bala e da Bíblia”. Com tal sigla a filósofa brasileira se refere à pauta conservadora que tem sido defendida em bloco por um conjunto de latifundiários do agronegócio (Boi), por setores policiais, militares e jurídicos (Bala), e, por fim, por uma boa parcela de evangélicos que elegem seus pastores para assumirem cargos públicos e políticos (Bíblia).

Nesses textos também exponho minha análise desses tempos sombrios “para que cada qual possa julgá-la e que, informado pelo comentário geral das opiniões emitidas a respeito dela, seja este um novo meio de me instruir, que juntarei àqueles de que costumo utilizar” (parafraseando aqui René Descartes, na introdução de seu emblemático Discurso do Método). Que os textos dessa Série possam contribuir com sua pequena parcela para inspirar a luta pela democracia no Brasil e no mundo! São nossas sinceras pretensões!

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