Série: Golpe da coalizão PiG/PBBB no Brasil (2016) em diálogo com O 18 Brumário de Luís Bonarparte (1852) – exclusivo

Poderíamos ter aprofundado a democracia a partir das Jornadas de Junho de 2013

 

Matheus da Cruz e Zica

 

Esse texto é o terceiro da Série: Golpe da coalizão PiG /PBBB no Brasil (2016), em diálogo com O 18 Brumário de Luís Bonarparte (1852), composta de 4 artigos independentes entre si, mas conectados em suas temáticas. Por PiG estamos entendendo, em conjunto com Paulo Henrique Amorim: “Partido da Imprensa Golpista, composto de O Globo, Folha, Estadão e seus subprodutos. A Abril não é propriamente do PiG, porque a “aristocracia” do PiG jamais aceitou os judeus italianos da Abril em seus salões. A Abril e a Veja se incorporavam ao PiG por interesse. E pelos mesmos interesses eram aceitos, desde que ficassem na cozinha” (Cf. O Quarto Poder: uma outra história. São Paulo: Hedra, 2015). Por PBBB estamos entendendo, em conjunto com Marilena Chauí: “Partido do Boi, da Bala e da Bíblia”. Com tal sigla a filósofa brasileira se refere à pauta conservadora que tem sido defendida em bloco por um conjunto de latifundiários do agronegócio (Boi), por setores policiais, militares e jurídicos (Bala), e, por fim, por uma boa parcela de evangélicos que elegem seus pastores para assumirem cargos públicos e políticos (Bíblia).

No primeiro artigo tentamos nos aproximar das circunstâncias que marcaram a instalação factual do golpe no Brasil em 2016, particularmente a emblemática reunião na Câmara dos Deputados do fatídico Domingo de 17/04 desse ano, ocasião em que foi votada a abertura do processo de impeachment da Presidenta democraticamente eleita, Dilma Roussef. No segundo texto procuramos enfocar o papel da grande mídia brasileira nos momentos que antecederam o golpe, preparando o terreno mental dos brasileiros, para aceitarem tal procedimento forjando-o como um passo legítimo, inclusive contra toda a também tendenciosa imprensa internacional que nesse caso específico não se atreveu a apoiá-lo. Nesse terceiro texto, daremos continuidade ao argumento já esboçado no último artigo de que o PT foi negligente em relação à importância democrática da ocupação do espaço público por parte da heterogênea população brasileira durante as Jornadas de Junho de 2013.

Em nosso ponto de vista Dilma, Lula e o PT tinham o dever de canalizar aquela insatisfação para radicalizar as propostas democráticas, o que acabaram não fazendo… seguiram com a prática tímida do populismo, supervalorizada pelos golpistas, sim, mas inegavelmente explorada às expensas pelo PT ao longo de todos esses anos. É óbvio que a parca redistribuição de renda que empreenderam – mesmo assim inédita no Brasil, é bom que se reconheça – deveria ter sido acompanhada de programas de melhoria na qualidade da formação cultural dos brasileiros, o que de fato não ocorreu. Essa foi também uma característica importante do cenário do 18 Brumário:

“Dinheiro como dádiva e dinheiro como empréstimo, era com perspectivas como essas que esperava atrair as massas. (…) Essas eram as únicas alavancas que Bonaparte [leia-se PT para o nosso contexto] sabia movimentar. Nunca um presidente especulou mais vulgarmente com a vulgaridade das massas” (O 18 Brumário de Luís Bonaparte, p.39).

É a direita brasileira que agora, depois de 3 anos, tenta se aproveitar daquela insatisfação manifesta nas Jornadas de Junho a seu favor. Se Dilma tivesse canalizado aquela energia, “seria a causa de toda a nação. Fazendo-o, daria à nação ordem de marcha, e não há nada que atemorize mais [a direita conservadora] do que ver a nação movimentar-se” (O 18 Brumário de Luís Bonaparte, p.49). Mas os enlaces em nome da governamentabilidade, com partidos escusos como PMDB e conglomerados midiáticos, falaram mais alto para a Presidenta. Agora ficou claro que esses enlaces não são garantias de nada. Antes tivesse se apoiado na soberania do povo desde muito antes do bote que levou das víboras que cultivou de perto.

Diante dessa incompetência de nossa esquerda em 2013, pois consentiu em simplesmente deixar ficar morna aquela ebulição de Junho, desde então os mais argutos brasileiros já anteviam um futuro sombrio para o nosso país. Lembro-me bem dos discursos armados dos jornalistas das grandes TVs – Globo, Record, SBT, RedeTV, Bandeirantes – e de rádios de alcance nacional como a CBN, que investiam suas lentes discursivas em focos bastante delimitados numa certa parcela dos manifestantes rotulados de “black-blocs”, pessoas alinhadas ao “chavismo” e aos “bolivarianos”, todos eles comunistas irresponsáveis e baderneiros, inimigos da ordem e do bem-estar da normalidade. O fantasma vermelho foi fortemente mobilizado pelo PiG – Partido da Imprensa Golpista (Cf. Amorim, Paulo Henrique. O Quarto Poder. São Paulo: Hedra, 2015), imprensa essa que agora apenas torna mais explicito o seu posicionamento conservador de sempre.

Ou seja, se seguimos essa perspectiva de análise de nossa conjuntura política é possível afirmar que, desde pelo menos 2013, muitos brasileiros já compartilhavam da seguinte percepção, apenas substituindo os personagens evidentemente:

Se jamais houve um acontecimento que, muito antes de ocorrer, tivesse projetado diante de si a sua sombra, foi o golpe de Estado de Bonaparte [leia-se “Golpe do Partido da Imprensa Golpista e do Partido do Boi, da Bala e da Bíblia”]. (…) Ao mesmo tempo a sombra ganhava cores, como um daguerreotipo iluminado. (O 18 Brumário de Luís Bonaparte, p.67)

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