Revogaram o Iluminismo: política e práticas sociais cada vez mais distantes da ciência

Tiago Tristão Artero

 

Acreditava-se que, durante o século XVIII, com o movimento intelectual denominado Iluminismo, a ciência se sobrepujaria às crenças, a razão sobre o pensamento místico e que estes pressupostos estariam sedimentados em nossa sociedade, ao menos no que se refere às práticas escolares formais e a organização política.

Afirmações equivocadas por parte dos que estão no governo, de uma maneira ou de outra, contribuem para a formação de consenso e alinham-se a elaboração de políticas públicas a partir destas ideias.

Afirmações que versam sobre alguns temas, notadamente falsas, devem ser objetos de reflexão. Como:

– As políticas de Estado nunca foram repressivas no Período Militar;

– A Ditadura entregou o governo de forma pacífica para a oposição;

– Os portugueses não iam à África buscar escravos;

– Os políticos que atualmente estão no governo nunca defenderam que mulher pode ganhar menos;

– Frozen é lésbica;

– Bob Esponja é homossexual;

– Bolsa Família para travestis foi aprovada durante o governo do PT;

– Bater nos filhos resolve a questão da homossexualidade;

– Foram distribuídos Kits Gays nas escolas públicas durante o governo do PT e mamadeiras com ponta de pênis em creches;

– O Brasil é o país que mais preserva o meio ambiente;

– Universidades particulares são as que mais realizam pesquisas;

– Universidades públicas não realizam pesquisas;

– O uso de drogas, de balbúrdia e de “depravação” é intrínseco ao ambiente das Universidades Federais;

– O presidente atual foi enviado por forças místicas superiores;

– Os desempregados estão nessa situação porque não se qualificam;

– Oferecer armas às mulheres vai resolver a questão da violência doméstica;

– Ter posse de arma em casa aumenta as chances de se defender e diminui os riscos;

– O efeito estufa e as alterações climáticas não possuem relação com a emissão de dióxido de carbono;

– Vender estatais superavitárias permite o crescimento do país e a diminuição dos preços de serviços prestados e de produtos;

– Previdência privada é garantia do crescimento do país e promove equidade;

– Cortes na educação permitem melhoras na economia e o alavancamento de diversos setores;

– A redução de ministérios gera uma economia relevante para os cofres públicos;

– A causa da dívida interna são os investimentos públicos;

– O capital financeiro promove crescimento;

– Os ocupantes do governo atual foram escolhidos de acordo com sua capacidade técnica;

– A Lei Rouanet está sendo modificada para ajudar artistas não consagrados;

– Matar bandidos resolve os problemas da segurança pública;

– O cidadão e a cidadã devem ser responsáveis pela sua segurança;

– Nazismo é de esquerda;

– O Brasil era comunista há alguns anos atrás… vivíamos no socialismo;

– Menos direitos permitem a criação de mais empregos;

– A relação entre Brasil e Estados Unidos é benéfica para o Brasil e está gerando crescimento econômico.

Por certo, estas afirmações amplamente divulgadas na grande mídia e debatidas nas mídias alternativas podem ser consideradas a ponta do iceberg, devido à quantidade de afirmações, tuitadas e declarações realizadas por representantes do governo. As assertivas não são de um ciclo completo de governo, mas somente de alguns meses. Não há como fazer uma análise sobre cada um dos pontos citados acima, mas fica a provocação de que não possuem embasamento científico no contexto da nossa sociedade.

Indivíduos, defensores do governo, eleitores não arrependidos, rezam a cartilha acima como um mantra, desprovidos de um senso crítico mais apurado. São eleitores que desconhecem o plano do governo e que, durante o período eleitoral, não leram as propostas dos concorrentes a presidência, nem mesmo de seu próprio candidato.

 A título de exemplo, pesquisas demonstram que boa parte dos policiais vitimados por arma de fogo morrem fora do horário do expediente porque reagem armados. Assim como andar armado aumenta consideravelmente as chances de morrer durante a abordagem, mesmo no caso de policiais treinados, o que dizer do civil não treinado.

É necessário quebrar percepções deterministas e místicas no entendimento da sociedade, a fim de valorizar a importância do meio e as possíveis mudanças advindas a partir desta compreensão. Mais educação, mais inteligência no combate a violência, menos armas são alguns contrapontos às mentiras proferidas pelo atual governo, já que a maioria das armas em posse dos bandidos foram roubadas de civís, de cidadãos “de bem”. Portanto, mais armas com os civis significa mais armas com os bandidos. Os problemas de segurança estão colocados, de maneira maior ou menor, em todas as sociedades. São formados em cada contexto. Formam-se em maior ou menor número a depender das condições sociais e materiais.

O que ouvimos insistentemente como “bons costumes” é conceituado no meio cultural e sua formação forjaram conceitos que atravessam temas diversos. As afirmações dos que foram às ruas dia 26 de maio de 2019, embora possam não saber, indica determinada concepção de vida e de sociedade. O termo “bons costumes” também evoca a não permissão do debate ou a discordância, incita a docilidade frente a percepções sem embasamento científico e teórico contidas nas palavras de ordem, vídeos e postagens inseridos nas mídias e escancarados nas ruas.Típico da cultura forjada a partir da aculturação imposta pelo processo de colonização e ocupação do território brasileiro, o debate e embasamento teórico está posto abaixo de pseudos bons costumes de interesse dos que desejam manter o status quo.Ao contrário dos que estão representando o governo fazem parecer, não é feio ou digno de repressão o embate de ideias e a mudança de percepção decorrente de reflexões com análise reflexiva e científica (não somente o embasamento empírico e pragmático).

Os que estiveram nas ruas dia 30 de maio não vão se calar frente a “verdades” temporalmente estabelecidas, dignas de serem revistas. Os cidadãos que insistem no obscurantismo creem que os conceitos que evocam foram adquiridos na “experiência” única e exclusiva da própria vida, sem entender que nossas experiências possuem uma história muito anterior ao nosso nascimento. É preciso conhecer este processo, sob o risco de dizer “foi a vida que me ensinou” e reproduzir estigmas que impedem o desenvolvimento de nossa nação.Vamos entender que vivemos num processo agudo de obscurantismo. Não só obscurantismo, mas um obscurantismo beligerante.Afirmações são feitas, entrevistas são dadas, políticas públicas implantadas, escancaradamente a partir de mentiras e falsas afirmações, como as ditas no início deste texto.

O que não dá é repetir mazelas estabelecidas pelos ditos “cidadãos de bem”, recheadas de preconceitos e de “verdades”, sem a mínima reflexão histórica e social.


Imagem de destaque: Presidente Jair Bolsonaro. Foto: Marcos Corrêa/Presidência da República

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