#revoga Novo Ensino Médio – NEM: NEM novo, NEM melhor

No dia 15 de março, dezenas de cidades brasileiras presenciaram manifestações nas ruas pela revogação do Novo Ensino Médio – NEM. Revogar o “novo” parece um paradoxo, entretanto, o que as manifestações pretendem é interditar a ampliação de algo antigo em nossa sociedade – a desigualdade (re)produzida pelo sistema educacional.

O Ensino Médio no Brasil, como etapa final da Educação Básica, historicamente encerra uma dualidade estrutural desde as primeiras iniciativas para sua universalização, a saber: uma formação direcionada à população jovem das elites e outra direcionada à população jovem das camadas mais pobres. Cabe aqui ilustrar esta afirmação.

A transição do modelo econômico agrário exportador para o modelo capitalista industrial, ocorrida nas primeiras décadas do século XX, promoveu a demanda por formação escolar, em especial com fins na criação de mão de obra qualificada, o que provocou reformas e a expansão do sistema escolar. Nesse contexto é criado o Ministério da Educação, em 1930, que, dentre outras ações, organizou o Ensino Primário e o ensino complementar, com duração de 2 anos, por meio de cursos propedêuticos – pré-jurídicos, pré-médicos e pré-politécnicos – , de caráter enciclopédico e sustentando altos níveis de exigência para aprovação, configurando, portanto, um Ensino Secundário adequado às elites e escolas profissionais para o povo.

Tal projeto, consolidado pela Constituição de 1937, se viu aprimorado em 1947, quando os cursos secundários passaram a ser substituídos por cursos médios – os cursos colegiais – clássico e científico, com 3 anos de duração, preparatórios para o Ensino Superior; enquanto os cursos técnicos, direcionados à formação de mão de obra, não davam acesso a esse nível de escolarização.

Com a promulgação da LDB, em 1961, o ensino profissional passou a integrar o sistema regular de ensino estabelecendo equivalência, mas tal mudança não supera a dualidade estrutural.

O regime militar, com sua ênfase no crescimento econômico em detrimento do social, fomenta uma visão utilitarista da escolarização, promovendo a adequação do sistema educacional às necessidades da expansão capitalista. Assim, a Lei 5692/1971 institui o ensino em 1º e 2º graus, sendo este último obrigatoriamente profissionalizante, diminuindo a pressão por vagas no Ensino Superior e ampliando a dualidade por meio da acirrada disputa nos vestibulares.

Após a abertura política, a Constituição Cidadã de 1988 e, na sequência, a promulgação da nova LDB, em 1996, trazem a garantia do Ensino Médio como direito universal, entretanto sem a garantia de uma fonte fixa para o seu financiamento, ficando isso a cargo dos estados independentemente das desigualdades que os constituem.

Assim, as matrículas nessa etapa da escolarização se expandiram na 2ª metade da década de 1990, sem a expansão das estruturas, sobretudo no que se refere à falta de investimento num corpo docente qualificado e valorizado.

A esse período seguiram-se proposições, diretrizes e ações que incluíram a implementação de uma base comum e uma base diversificada, a desvinculação do curso técnico do médio, podendo ser oferecido enquanto modalidade – concomitante ou sequencial, entre outras. Mas tais ações em nada romperam com a dualidade histórica e discriminatória, registrando altas taxas de retenção, abandono e evasão escolar

Após o golpe de 2016, o governo Temer, em 2017 aprovou, sem ampla discussão com a sociedade, Lei (n. 13415/2017), que reforma o Ensino Médio a partir de várias mudanças, entre elas: o acréscimo de carga horária total, redução das disciplinas obrigatórias a Matemática, Língua Portuguesa e Inglês; inclusão de três novas disciplinas: Projeto de Vida, Mundo do Trabalho e Cultura e Tecnologias Digitais; possibilidades de percursos formativos e trilhas de aprendizagem; possibilidade de disciplina à distância; abertura para parcerias com instituições da iniciativa privada; estímulo à formação para o empreendedorismo e outros discursos do modelo neoliberal; etc.

Entretanto, cabe considerar que os percursos oferecidos não serão os mesmos, tendo em vista as desigualdades entre estados e regiões do país. Certamente que jovens dos interiores, das periferias e dos grandes centros, de escolas públicas e privadas, não receberão as mesmas ofertas. Desse modo, mantém-se a dualidade de uma educação com percursos formativos variados para as elites e percursos possíveis, muitas vezes precários, para os mais pobres.

Ou seja, mesmo com os programas de acesso ao Ensino Superior, implementados na primeira década dos anos 2000, os quais buscam equalizar a entrada de jovens das elites e jovens mais pobres nas universidades, com a nova versão do Ensino Médio, estas dificilmente receberão os estudantes da classe trabalhadora, como vem ocorrendo nos últimos anos. Favorecendo assim a condição dualista estruturante.

No último 9 de março, o MEC instituiu a criação de um Grupo de Trabalho composto por membros de organizações vinculadas à educação, o qual, nos próximos 90 dias, deverá promover audiências públicas, seminários, consultas e pesquisas para avaliar as experiências já iniciadas e apontar ajustes necessários.

Mas as manifestações ocorridas na última 4ª feira destacaram que não há ajustes possíveis que quebrem esta estrutura. E por isso a hashtag de ordem é #REVOGANEM, pois, por maiores que sejam os ajustes, o que se desenha não é NEM novo, NEM tampouco melhor.


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