Representações territoriais e o sertão brasileiro

Sidclay Pereira*

As bases das representações territoriais do semiárido remontam ao início de sua colonização que, nos seus primeiros séculos, demonstram um processo constante de entrada, domínio territorial a partir da percepção do “desconhecido”, da “alteridade”, do “estrangeiro”, do “outro”. É o início do sertão construído “de fora” para “dentro”. A percepção sobre a região iniciada com seus colonizadores gerou as suas representações desde então.

Para se entender as representações territoriais, parte-se, primeiramente, de uma perspectiva construtivista, que entende o conhecimento como culturalmente produzido e “tido-como-partilhado”, ou seja, uma interação negociada pela evolução dinâmica de interpretações, transformações e construções dos indivíduos. É a partir das imagens e da importância que a cultura exerce na construção do conhecimento que vai ser possível se estabelecer as representações.

A representação designa uma atividade mais complexa da simbolização do real. Nesse sentido, é necessário se partir do princípio de que toda representação, seja do senso comum ou acadêmica é uma criação. Uma representação territorial não é, necessariamente, uma imagem, mas um conjunto de imagens e discursos sobre o espaço que podem ser, inclusive, contraditórios. A isso, soma-se que as representações podem ser criadas pelos seus habitantes ou por quem exerce poder sobre ele.

Na base das representações territoriais do semiárido, a palavra sertão é onipresente. Para o senso comum e para vários pesquisadores são sinônimos. Porém, é necessário deixar claro que enquanto o semiárido é uma região delimitada, necessariamente, por características ambientais, o sertão é uma construção social e cultural e, em seu entorno, existem as representações territoriais materiais e imateriais construídas em especialidades e temporalidades distintas.

O conhecimento do colonizador sobre o semiárido se deu por duas vias. A primeira a partir do contato e a troca de experiências com os indígenas que já estavam há séculos habitando a região e a segunda sendo a própria construção do conhecimento através da vivência no ambiente em um processo que compreendeu mais de quatro séculos.

No século XIX, quando se intensifica a escrita da história oficial do Brasil através da recuperação de nomes do passado, os habitantes do sertão são descritos como verdadeiros heróis numa eterna luta com a natureza para sobrevive. Construir as imagens de um país e assim se estabelecer suas representações era necessário para o projeto unitário brasileiro. Em contraponto, no princípio do século XX é lançada a primeira edição do livro Os Sertões de Euclides da Cunha, calcado nas ideias do determinismo social, o autor acreditava em uma raça superior e que o mestiço brasileiro seria inferior. Entretanto é dessa obra a expressão “o sertanejo é antes de tudo, um forte” que influenciou bastante o pensamento sobre os habitantes do semiárido dentro e fora da região e foi utilizado exaustivamente nas descrições a análises sobre a região desde então. A expressão acima colocada é a maior representação de um discurso simples, rápido e eficiente sobre o sertanejo.

Em fins do século XIX e por todo o século XX, a seca torna-se o tema central no discurso que a instituem como o problema e empecilho para o desenvolvimento da região. Todas as demais questões são interpretadas a partir da influência do meio e de sua calamidade. As grandes obras de intervenções territoriais, tais como hidrelétricas, barragens, açudes e lagos artificiais passam a também representar o sertão.

Ao se intensificar a integração de todas as regiões a partir de um projeto de modernização centralizado na região Sudeste, notadamente a mais forte economicamente do país naquele momento encontra-se um semiárido ainda agrícola e pecuário com uma população que não seguia o mesmo padrão de modernização normatizado pelo Sudeste, contribuindo para as representações de um lugar atrasado a ser modificado. Outros elementos do semiárido vão ser colocados em evidência e reforçados como representantes da região. Assim, a figura do cangaceiro, do messianismo, do coronelismo, do catolicismo e da violência com a “justiça pelas próprias mãos” serão expoentes de uma imagem associada à região e tidas como representantes do sertão.

Esse Brasil, autointitulado moderno, rejeita o sertão e abraça a ideia de que o urbano e o industrial devem ser a representação do país. O sertão seria incompatível com a modernidade desejável e deveria ser modificado. Uma vez construídas as representações territoriais materiais e imateriais do sertão, seria o momento de acabar com elas, não do ponto de vista simbólico, de mudança da visão e da sua consequente representação, mas sim a mudança efetiva do território. o sertão é, assim, um espaço a ser superado.

A partir dos anos setenta do século XX, o sertão tem sido visto como fronteira econômica e uma região com grande potencial ainda não desenvolvido plenamente. Assim, a palavra sertão se esvazia em seu significado para dar lugar às ideias de convivência com o semiárido. A associação sertão-semiárido ganha uma textura diferente. Comumente, a palavra semiárido é precedida de imagens de paisagens verdes e discursos sobre a modernidade.             Estabeleceu-se um debate, principalmente a partir da sociedade civil organizada que propõe um novo paradigma de entendimento e ação sobre o território. Se até então o sertão era identificado e representado como uma região problema e vítima de calamidades naturais, a descontração disso se faz necessária e está em curso atualmente.

As representações, sejam em imagens de uma região vítima das secas e atrasada socialmente quando comparada ao restante do Brasil, bem como os discursos de um determinismo ambiental extremamente presente necessitam ser melhor entendidas. O sertão vem se consolidando como um objeto de estudo, e, sendo assim, um lugar de observação e análise, seja nas instituições de ensino ou em organizações não governamentais.

Para saber mais:

A invenção do nordeste e outras artes – Durval M. Albuquerque Junior

Cidades e Sertões: entre história e a memória – Gilmar Arruda

Les représentations en géographie –  Antoine Bailly

Onde está a mente? Uma coordenação das abordagens sócio-cultural e cognitivo-construtivista – Paul Cobb.

Os índios antes do Brasil – Carlos Fausto

O sertão arcaico do Nordeste do Brasil: uma releitura – Nilton Freixinho

De como lembrar o semiárido e esquecer o sertão – Maria L. Fortunato e Mariana Moreira Neto

Território e História no Brasil – Antonio C. R. de Moraes

Brasil, Ficção Geográfica – Ciência e Nacionalidade no País D’os Sertões – Luciana Murari

Nas solidões vastas e assustadoras: a conquista do sertão de Pernambuco pelas vilas açucareiras nos séculos XVII e XVIII –  Kalina V. da Silva

Entre o Combate à Seca e a Convivência com o Semi-Árido: políticas públicas e transição paradigmática – Roberto M. A. da Silva

*Sidclay Pereira é Professor Assistente do Colegiado de Geografia da Universidade de Pernambuco – Campus Petrolina e Estudante de Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Geográficas da Univesité Laval (Quebeque, Canadá)

Contato: sidclay.pereia@upe.br

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