Repetência escolar e diminuição da maioridade penal: quais relações?

Repercutiram bastante nas mídias e nos meios acadêmicos nos últimos dias os dados divulgados pela prefeitura da cidade de São Paulo acerca da reprovação de alunos no ensino fundamental após as “reformas” estabelecidas pela prefeitura municipal na gestão de Fernando Haddad, que é ex Ministro da Educação. A atual gestão, além de alterar os ciclos, estabeleceu também que poderia haver reprovação de alunos não apenas em dois anos, no 3º e no 9º, mas em 5 (3º, 6º, 7º, 8º e 9º ). Com isso, as reprovações obviamente aumentaram, tendo triplicado nos 4 últimos anos. Ao mesmo tempo, o IPEA lançou um amplo estudo no qual constata que boa parte dos adolescentes em conflito com a lei teve, ou tem, problemas com a frequência e o aprendizado escolares.

A atitude da gestão paulistana, infelizmente, atualiza uma prática secular da escola básica brasileira, inventada pela seriação das escolas instituída na passagem do século XIX para o XX, que sempre conviveu com altíssimas taxas de repetência e de evasão escolares, esta última, em boa parte relacionada à primeira. Mas se o problema se repete ao longo do tempo, também se alastra para todo o Brasil: mais de 20% dos alunos brasileiros do ensino fundamental e quase 30% do ensino médio estão em defasagem idade-série.

É bem verdade que ao longo da década de 1990 vários municípios e estados brasileiros instituíram políticas visando corrigir o problema, criando mecanismos de reorganização dos tempos escolares (instituindo os ciclos, p.ex.) e de apoio à aprendizagem do aluno.  Infelizmente, muitas dessas políticas, a exemplo do que ocorreu em São Paulo, não sobreviveram às reformas desses sistemas de ensino nos últimos anos.

No entanto, é de amplo conhecimento, sobretudo dos especialistas da área, dos gestores educacionais e dos professores, que a reprovação é uma prática escolar que onera os cofres públicos, impacta negativamente a aprendizagem e a autoimagem dos alunos, especialmente dos mais novos e que produz, consequentemente,  um desastre pedagógico.  A reprovação, como já se sabe e já se disse, demonstra muito mais, e cabalmente, o fracasso da escola, da geração adulta em criar na escola um ambiente propício à aprendizagem do que o fracasso do aluno.

Há que se perguntar, pois, por que, apesar disso, a reprovação dos alunos das escolas brasileiras, desde a mais tenra idade, é amplamente defendida por amplos setores da mídia, por parcela significativa dos pais e dos professores e, mesmo, pelos gestores escolares.

Em primeiro lugar, porque a repetência é confortável para os adultos, pois  joga a responsabilidade do fracasso da escola muito mais para os alunos do que para os professores e gestores escolares; em segundo lugar, porque há um cultivo de uma ideia de mérito escolar que, na verdade, esconde as variáveis sociais e étnico-raciais da reprovação; em terceiro lugar, porque há disseminado na sociedade brasileira uma cultura de  privilégios muito avessa à noção de direitos, entre eles o direito à aprendizagem dos conhecimentos escolares.

A continuidade da reprovação escolar no Brasil, sobretudo entre as crianças mais novas e os adolescentes, é uma prova cabal de que as políticas e as práticas escolares seguem muito mais as opiniões dos gestores e professores e o senso comum das famílias do que aquilo que se estabelece como mais adequado pelas pesquisas e, mesmo, pela experiência acumulada a respeito do assunto. Ou, dizendo de outra forma, as reformas educacionais são mais devedoras das crenças, valores, conceitos e pré-conceitos dos gestores e professores do que dos conhecimentos que já acumulamos sobre o assunto.

Um dos problemas no Brasil, a esse respeito, é que a maior parte dos gestores e reformadores escolares e daqueles que, na mídia, defendem ardorosamente que a escola pública deve sim continuar reprovando crianças de 6, 7, 8 anos, não mantém seus filhos na escola pública. Assim, é fácil defender a reforma da escola dos filhos dos outros, ou defender que os filhos dos outros sejam submetidos a processos que destroem, desde a mais tenra idade, a sua autoimagem e sua vontade de aprender.

Disso resulta, entretanto, muito mais do que o fracasso da escola em ensinar  aos alunos negros e pobres em nosso país. E, a esse respeito, vale a pena perguntar hoje: seria por acaso que estes mesmos setores estejam defendendo a redução da maioridade penal? Em ambos os casos, a reprovação e a diminuição da maioridade, não estariam os adultos responsabilizando as novas gerações por aquilo que eles não fizeram: a criação de uma escola e de um mundo que fossem mais acolhedores e interessantes para nossas crianças, adolescentes e jovens?

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