Quando o vice-presidente chorou – exclusivo

Matheus da Cruz e Zica

No último artigo que publicamos na Série: Pensar a educação na China, Pensar o nosso Tempo, levantamos a questão do sucesso dos países asiáticos na edição anterior da avaliação internacional do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), em 2012, notadamente a China. O PISA, promovido pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), é trienal e foi realizado no mês de maio desse ano 2015. Terminamos o texto anterior nos perguntando se o referido sucesso do leste asiático no PISA representaria uma integração cada vez maior e resignada daqueles países aos ditames do capitalismo ocidental, ou seria indicativo do deslocamento do mundo para um novo eixo difusor de referências culturais representados por países que, para sua sobrevivência em nível internacional, apenas instrumentalmente aprenderam os códigos que lhes foram demandados por pressão externa?

Para ampliarmos a reflexão sobre essa questão em relação ao caso chinês, propomos um recuo histórico para um evento recente, bastante conhecido por nós brasileiros: a repercutida visita do vice-presidente José Alencar à China no ano de 2006, precisamente seis anos antes do sucesso dos jovens chineses na avaliação do PISA, 2012. Essa viagem parece conter elementos interessantes para iniciarmos a reflexão sobre a questão educacional na China atual.

No dia 16 de março de 2006 o site oficial do Itamaraty noticiou que, o então vice-presidente do Brasil, José Alencar, faria uma visita oficial à China entre os dias 20 e 24 daquele mês. Os dois primeiros dias seriam em Shangai e os outros dois na capital, Pequim. As demais mídias apenas replicaram a agenda divulgada pelo Itamaraty sem acrescentar nenhuma informação de maior peso ao longo dos dias em que o representante da nação brasileira estivera por lá. OPortal Uol foi o primeiro a replicar a agenda oficial, no dia 17/03/2006. Depois aFolha de São Paulo, dois dias depois, 19/03/2006. Seguida do Portal Terra, que divulga a notícia já no dia da chegada do vice-presidente à Ásia, 20/03/2006. Dentre todas as informações, as mais frisadas da agenda eram relativas à economia.

Foi uma agência midiática bem menos expressiva, pelo menos em relação às citadas no parágrafo anterior, a responsável por divulgar com um pouco mais de detalhe sobre as atividades do ex vice-presidente durante sua estadia no gigante vermelho, inclusive frisando que nem só de economia o governante brasileiro iria tratar com os chineses. Falamos do jornal eletrônico Paraná on-line, que no dia 23/03/2006, publicou uma matéria na qual procurava divulgar a agenda diária de José Alencar na China. Vejamos um trecho: “No quarto dia da visita oficial à China, o vice-presidente José Alencar cumpre agenda em Pequim. No primeiro compromisso de hoje (23), Alencar visitou a escola pública “ShinJe”, considerada uma das melhores do país. Acompanhado pela vice-ministra da Educação, Chen Xiaoya, ele conheceu as instalações da escola e um pouco do sistema de ensino chinês. Alencar também entregou aos alunos a primeira publicação sobre o Brasil feita em mandarim.”

Sobre educação na China, isso foi tudo o que a grande mídia brasileira divulgou durante os quatro dias da missão oficial brasileira naquele país. Mais tarde saberíamos que a visita a essa escola, tão friamente descrita no tom oficioso dessa notícia, teria representado bem mais para o dirigente brasileiro, muito mais do que o trecho citado acima pode ter sugerido.

Assim que chega de sua viagem oficial à China, já no dia 27/03/2006, José Alencar discursa para cerca de 500 prefeitos na ocasião de abertura do encontro da ABM (Associação Brasileira de Municípios), em Brasília. Nessa ocasião, aparentemente desconectada da viagem que havia feito há poucos dias, ao falar para os governantes das principais cidades brasileiras é a memória de sua visita à escola chinesa que vem à tona. Para a surpresa de todos, José de Alencar chora diante do público. Segundo transcrição divulgada pela Folha de São Paulo do dia seguinte, 28/03/2006: “Na China eu fiz questão de visitar uma escola de ensino básico. É uma questão que me emocionou profundamente. Por quê? Porque, visitando aquela escola [interrompe, com a voz embargada], eu voltava [nova pausa] com o meu pensamento [chora e é aplaudido]. Voltava com o meu pensamento ao meu país [pausa]. Porque, se nós tivéssemos como oferecer no Brasil aquele tipo de formação, eu não sei o que nós poderíamos fazer desse grande país”.

Apesar da irrupção desse choro imprevisível, desse retorno ao tema da educação, recalcado diante da enxurrada de referências à economia, mais uma vez ela entra em seu silencio habitual por parte da mídia brasileira, que cobriu esse discurso e esse choro de José Alencar como um fato curioso ou jogada política indigna de maior crédito. Escola é coisa com a qual se faz política de discurso, não algo com o qual se precise se preocupar concretamente.

Mas o repórter brasileiro, José Fonseca, estava na China, independente dos grandes jornais de nosso país. Ele estava trabalhando em uma instituição de notícias da própria china. Na esperança de contribuir com alguma notícia relevante para seus compatriotas, através da Agência de Notícias Xinhua, procurou fazer uma cobertura da escola chinesa que tanto despertara a atenção do então vice-presidente.

A descrição de seu trabalho naquela ocasião pode ser acessada através do excelente livro organizado por Rosana Pinheiro-Machado, China: Passado e Presente, publicado pela Artes e Ofícios, em 2013. Segundo José Fonseca: “Às sete da manhã, a tradutora, o fotógrafo e eu descemos do carro oficial no pátio da escola. Fomos recebidos pelo diretor e um grupo de crianças do curso de inglês. A visita guiada durou toda a manhã e, depois do almoço na cantina, parte da tarde. Entendi a emoção de José de Alencar ao comparar o modelo educacional chinês e o brasileiro. Vi crianças de seis anos de comportamento impecável em aula de caligrafia, conversei com alunos na galeria de arte, ouvi ensaios na aula de música onde se alinhavam todos os instrumentos de uma orquestra, visitei o auditório e os estúdios da estação interna de TV operada por crianças, bebi nos bebedouros do transparente sistema central de purificação de água, integrado ao ensino de ecologia” (p.209-210). Entretanto, estupefato, o jornalista brasileiro arremata sua fala lamentando: “Mas a matéria que escrevi não foi aproveitada por jornais brasileiros, apenas a versão em chinês circulou localmente” (p.210).

A educação chinesa só voltaria à pauta midiática brasileira quase seis anos depois. Nas vésperas do ano de 2012, quando o PISA, exame escolar de modelo competitivo e fonte para rankings que alimentam barganhas políticas e econômicas por parte de governantes mundo afora, revela a surpreendente capacidade chinesa também naquele setor, confirmando o primeiro lugar já alcançado por Shangai na edição de 2009. 

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