Projeto Escola Sem Partido volta a tramitar na Câmara de Belo Horizonte

Maria G. Lara

 

Foi aprovado no último dia 18 pela Comissão de Legislação e Justiça de Belo Horizonte um parecer favorável ao PL 274/17, versão municipal do projeto nacional Escola Sem Partido. Desde 2015 tramitava na Câmara Municipal o mesmo projeto, mas com um texto mais longo e que foi arquivado em fevereiro deste ano.

A nova versão apresentada com assinaturas de 21 vereadores, apesar de mais concisa, manteve os mesmo pontos que caracterizam o projeto original. Seus objetivos são: a “neutralidade política, religiosa e ideológica” em sala de aula, defender o direito dos pais de controlar a educação religiosa e moral de seus filhos e impedir que professores ensinem a chamada “ideologia de gênero” nas escolas. O projeto tem recebido apoio da parcela mais conservadora da população, mas também tem sido alvo de críticas tanto da população como de profissionais de educação. Desde sua primeira formulação foi acusado de inconstitucionalidade inclusive pelo Ministério Público Federal, que emitiu nota técnica opinando contra o projeto.

Para a professora doutora Analise de Jesus da Silva, da Faculdade de Educação (FaE) da UFMG, o PL 247/17 se trata de um “Projeto de Legalização do Adoecimento Social e Humano”. A professora, que deu aula na rede básica por 29 anos, diz que é importante ressaltar, em relação ao artigo 1º do projeto de lei que “o Estado não é neutro em religiosidade. Ele é laico. Assim como não é neutro politicamente. Ele é democrático. Também não é neutro em termos ideológicos. Ele é capitalista.” A professora ainda disse que não consegue imaginar seus 29 anos como professora da educação básica caso tal projeto estivesse em vigor naquele tempo. “[Se] eu estivesse proibida de no exercício de minhas funções exercer ‘a prática de doutrinação política ou ideológica bem como a veiculação de conteúdos ou a realização de atividades de cunho religioso ou moral que possam estar em conflito com as convicções dos pais ou responsáveis’, eu não teria realizado, junto a muitos dos milhares de estudantes com os quais tive a satisfação de compartilhar saberes, as atividades de cunho anti-racista, anti-sexista, anti-homofóbico, anti-discriminatório ao trabalhar em sala estratégias para contribuir com a compreensão, denúncia, segurança e cessamento de problemas vivenciados por aqueles estudantes” declara.

A professora Analise Silva lembra que as “convicções morais” familiares muitas vezes podem ser nocivas aos estudantes. Muitos de seus ex-alunos confidenciavam a ela o que presenciavam em seus núcleos familiares: “os pais espancarem as mães; pais e mães espancarem os filhos; parentes abusarem sexualmente de crianças e adolescentes; abuso de drogas; famílias que ensinavam que mulheres lésbicas deviam passar por estupro corretivo; familiares que abusavam física e economicamente de idosos; famílias que ensinavam que negros eram inferiores; famílias que ensinavam que empregadas podiam ser estupradas; famílias que ensinavam que quem tem religião diferente da deles pode ser apedrejado; famílias que ensinavam que torcedores de outros times precisam ser ridicularizados; famílias que ensinavam que os empregados não podiam comer da mesma comida feita para os patrões; famílias que ensinavam que crianças gordas, indígenas, pessoas com deficiência, pessoas pobres, empregados devem ser humilhados, animalizados e subalternizados.” Por isso, para a professora é fundamental a conversa e o diálogo aberto, para que esses jovens não naturalizem tais comportamentos e sejam expostos à diversidade do mundo.

Para Arnaldo Godoy, vereador de Belo Horizonte pelo PT, o Escola Sem Partido tem partido. “Partido daqueles que não querem ver consolidados avanços com relação ao direito à livre manifestação, aos programas compensatórios para acesso aos bens e serviços de grande parte da sociedade excluída, durante séculos, desde a constituição do nosso Brasil. Uma proposta educacional que impede a reflexão e o acesso ao conhecimento universal construído em relação à política, ética, direitos humanos, diversidade, gênero etc. tem que ser duramente combatida.” O vereador, bastante envolvido com as áreas de educação, juventude e políticas sociais, disse que o projeto representa um retrocesso que reflete “um momento de conservadorismo e de valores reacionários”.

Para Diana de Cássia Silva, professora na Escola Municipal Zilda Arns, o projeto é ainda um ato de violência contra os estudantes e professores “por desconsiderar toda a formação profissional exigida para exercer a função”, uma vez que professores são capacitados através de disciplinas como Ética, Psicologia e Didática. “No projeto [Escola Sem Partido] a educação é vista como um ato desumano, alienador e não como um processo que liberta o sujeito. E isso é muito preocupante. Quando em uma sociedade seus legisladores vêem os professores, que historicamente são reconhecidos como sujeitos de prestígio social por formar pessoas, como inimigos dos estudantes, é preciso repensar qual é a concepção de educação que está sendo construída. Qual o papel das mídias, das informações, do conhecimento nessa sociedade”, afirma a professora.

Diana Silva, além de professora, é mãe de uma estudante da rede básica. Para ela, não há benefícios para a educação de sua filha no projeto de lei. Ela ressalta a importância de educar e aprender com liberdade e diz que essa liberdade não pode acontecer “por meio de medidas que beiram o que foi o AI-5 no período da Ditadura Militar no Brasil”. Como mãe, Diana diz que sua filha constantemente traz inquietações motivadas pelo diálogo na escola. Ela conta que, em casa, a família fala sobre o que acredita, mas também apresenta “posições diferentes e presentes na sociedade e a importância de respeitar os outros […] A sociedade não é feita apenas com os valores construídos em nossa casa”. Sobre o apoio popular que a proposta tem tido, a professora diz que ele se baseia em convicções morais e religiosas e é preciso lembrar que “a escola não é uma instituição religiosa. A escola é laica. E não cabe ao professor se silenciar quando vários casos de ordem vivencial são colocados em sua frente como bullying, a homofobia, o preconceito racial, o machismo, a violência doméstica… temas que exigem dos professores e da própria escola posicionamentos efetivos que garantam o respeito a diversidade”.

Projeto semelhante ao PL 274/17 de Belo Horizonte foi proposto em Alagoas e o Supremo Tribunal Federal interveio para barrá-lo. A justificativa é que o projeto feria “em especial as liberdades constitucionais de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e a gestão democrática do ensino público”, nas palavras do procurador-geral da República Rodrigo Janot. No entanto, na capital mineira o projeto avança: após a primeira aprovação, segue aguardando votação na Comissão de Educação, Ciência, Tecnologia, Cultura, Desporto, Lazer e Turismo da cidade.

A justificativa de apoiadores do projeto de que ele criaria um “ambiente seguro de aprendizado nas escolas” é contrariada nas falas de profissionais da educação que se referem ao Escola Sem Partido como a Lei da Mordaça, que impediria o diálogo nas escolas. A professora Diana Silva diz que é “preciso acreditar que venceremos esse ataque à escola, aos professores e a educação por meio do diálogo e não deixaremos que a diversidade seja apagada do nosso meio. A educação com respeito à diversidade é uma regra para o exercício da cidadania”.

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