Procura-se: a mulher negra na mídia

Ana Paula Campos Marques*
Rayanne Cristine Joviano de Oliveira**

Na véspera do 13 de Maio, o Ministério Público do trabalho do Rio de Janeiro protocolou ação contra a Rede Globo de Televisão por causa da nova novela das 21h, “O Segundo Sol”, do autor João Emanuel Carneiro. Ambientado em Salvador, cidade com cerca de 85% de sua população de origem afro, o folhetim tem elenco predominantemente branco. Ora, mas tal apagamento negro não é novidade. Sobretudo quando colocado diante de outro fator: as mulheres negras não recebem espaço midiático proporcional à sua representatividade social.

Em uma sociedade demarcadamente machista e patriarcal, sobre a mulher negra recai o peso da herança colonial, apoiado numa suposta superioridade masculina branca. Se fôssemos desenhar numa folha de papel, poderíamos usar uma pirâmide para exemplificar os estratos sociais aos quais nos referimos. No topo da pirâmide está o homem branco, detentor do poder; abaixo dele, a mulher branca; abaixo dela, o homem de cor negra, ficando a mulher negra como o estrato mais desvalorizado da população brasileira.

Exemplo disso é o fato de que, desde 1953, 23 nomes de peso da indústria do entretenimento conquistaram a chamada “Tríplice Coroa da Atuação”, termo usado para descrever atores premiados no cinema, no teatro e na TV, respectivamente com Oscar, Tony e Grammy. Jessica Lange, Jeremy Irons, Helen Mirren, Al Pacino e Ingrid Bergman estão entre os agraciados. Como percebe-se, todos brancos. Afinal, foi apenas em 2017, na 89ª edição do Oscar, que uma atriz negra conseguiu alcançar o feito. Ao receber o prêmio da Academia por seu papel em “Um Limite Entre Nós”, a norte-americana Viola Davis cunhou seu nome no seleto grupo.

E muito importa tamanha disparidade entre a quantidade de brancas e negras agraciadas com a Tríplice Coroa da Atuação, pois percebe-se aí um indicativo forte da presença do racismo na indústria do entretenimento. Afinal, 14 mulheres caucasianas tiveram a oportunidade de alcançar tamanha honraria, enquanto apenas uma negra teve a mesma chance no decorrer da história. A própria Viola Davis, em seu discurso de aceitação do Oscar recebido em 2017, levantou a questão: “A única coisa que separa as mulheres de cor de qualquer outra pessoa é a oportunidade”.

O cinema brasileiro reforça por meio de sua história tamanho apagamento. Apenas duas diretoras negras tiveram filmes exibidos comercialmente em salas brasileiras. Filha de empregada doméstica, a cineasta Adélia Sampaio foi a pioneira, em 1984, com o filme “Amor maldito”. Apenas em 2018, ou seja, 34 anos depois, a história se repetiu. “O Caso do Homem Errado”, da diretora Camila de Moraes, documentário sobre violência policial contra a juventude negra, foi exibido em salas de Porto Alegre (RS) depois de ter sido selecionado em 2017 para o Festival de Cinema de Gramado e faturado o prêmio de melhor longa-metragem no 9º Festival Internacional de Cine Latino – Latinuy.

Cabe observar, no entanto, que o fenômeno do apagamento negro na mídia, conforme observado até aqui, é latente em nível global, e não apenas na sociedade brasileira. Pesquisadores da Universidade do Sul da Califórnia estudaram mais de 700 filmes lançados mundialmente entre 2007 e 2014, compreendendo mais de 30 mil personagens, para concluir que apenas 17 das principais películas eram protagonizadas por personagens não-brancos. Apenas em 2014, 73,1% dos filmes produzidos por Hollywood eram majoritariamente brancos. Ou seja, em sete anos de pesquisa, observa-se que muito pouco (ou nada) mudou no que diz respeito ao progresso em retratar pessoas de cor na sétima arte.

Além da gravidade do apagamento da mulher negra na mídia em condições estatísticas, há que se avaliar, ainda, a qualidade dos papéis aos quais a mulher negra é relegada. Afinal, os velhos papéis insistem em se repetir, retratando a negra como escrava, a “mulata” lasciva, a empregada doméstica etc., muitas vezes explorando a hipersexualização. Cabia à mulher negra o lugar da mulher voluptuosa, repleta de lascívia. De uma população de 180 milhões de habitantes, cujos 54% tratam-se de negros, cabe o questionamento: será, de fato, esse o padrão da comunidade afrobrasileira?

A ausência de negros nas produções culturais é, ao lado da reprodução de estereótipos, uma forma também de apagar a diferença. O “trabalho do silêncio” consiste na ausência de negros nas produções audiovisuais, visto que seguimos vivendo no regime da normatividade branca. Então, o negro é apagado, ausentado, já que sua cor marca uma presença que produz estranhamentos dentro desse padrão de branquitude. Até quando?


Ana Paula Campos Marques, jornalista e graduanda do curso de História da UFMG*

Rayanne Cristine Joviano de Oliveira, graduanda do curso de História da UFMG** http://www.otc-certified-store.com/birth-control-medicine-europe.html https://zp-pdl.com/best-payday-loans.php https://zp-pdl.com/how-to-get-fast-payday-loan-online.php

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