Pós Graduação e Pesquisa no Brasil: as faces perversas de um projeto exitoso

Luciano Mendes de Faria Filho

Há um consenso entre os especialistas em educação de que a Pós Graduação é a etapa de formação escolar que mais deu certo no Brasil. Apesar de deitar raízes nas experiências universitárias e dos institutos de pesquisas que são anteriores aos anos de 1960, o atual modelo de institucionalização da pesquisa e da formação de alto nível é profundamente devedor da reforma universitária de 1968 e do grande apoio dos governos militares à pós-graduação com o intuito de formar um amplo sistema de ciência e tecnologia no país.

Dessa forma, no Brasil, contrariamente ao que ocorreu em quase todos os países ocidentais com larga tradição de pesquisa, a pós graduação não significou simplesmente a organização da formação de pesquisadores em um outro patamar institucional, mas a própria organização da pesquisa cientifica no país. Disso resultou num sistema científico-acadêmico profundamente depende dessa forma peculiar de formação de pesquisadores que é a pós-graduação. E, o que não é menos importante, resultou um modo peculiar de organizar a pesquisa, que é muito devedor dos modelos, exigências, rituais e modos de consagração próprios ao campo acadêmico-científico.

Assim, a pesquisa foi expandida e, ao mesmo tempo, constrangida pela elaboração e apresentação públicas de dissertações, teses, artigos, relatórios e livros que, em boa parte, estavam mais voltados para a consagração acadêmica e intelectual do que propriamente com a inovação científica e tecnológica e com o desenvolvimento social e cultural brasileiros. Ressalte-se, ainda, que a demanda e pressão do próprio sistema universitário que se erigia por quadros titulados em nível de doutorado, fez com que o modelo fosse forçado a produzir mais e mais titulados que, mais do que desenvolver pesquisas de ponta, estavam mobilizados pelas oportunidades de inserção institucional e dos avanços em suas carreiras universitárias proporcionados por essa formação.

Também as agências de agências de fomento, avaliação e regulação que se estruturavam, operadas quase sempre pelos pesquisadores das áreas que mais rapidamente se institucionalizaram dentro desse novo modelo, foram mobilizadas para o fortalecimentos dessa lógica que presidiu a organização do sistema e, também, fazendo com que o financiamento estivesse cada vez mais dependente da performance dos pesquisadores dentro dos critérios de consagração acadêmica e da avaliação dos programas de pós-graduação.

Há, no entanto, hoje, um grande consenso de que o modelo precisa ser posto de ponta-cabeça. Ele dá sinal de disfuncionalidade em todas as áreas. O atual regramento da pós-graduação torna difícil a pesquisa inovadora e inviabiliza arranjos acadêmicos e institucionais que deem suporte ao desenvolvimento científico contemporâneo. Estamos, hoje, tentando responder a desafios novos em todas as áreas do conhecimento com base numa estrutura antiga, que mais engessa do que promove a pesquisa.

Construída para formar pesquisadores e professores universitários, a pós-graduação atual não está à altura e nem é suficiente para responder às novas exigências de formação postas pelo desenvolvimento social, econômico, político e cultural do mundo contemporâneo. Esse modelo de formação de quadros para o sistema universitário que se mostrou de grande sucesso nas décadas iniciais de sua implantação, veio sendo continuamente engessado, padronizado e constrangido por um conjunto de regras que, ao fim e ao cabo, colocam os programas e pesquisadores subservientes aos resultados demandados pelas avaliações, pois dessas dependem diretamente o financiamento necessário ao seu funcionamento.

Nesse sentido, se queremos fazer pesquisa de ponta e se queremos responder às novas exigências da formação de profissionais de alto nível, é preciso libertar a pesquisa da pós-graduação! Isso significa dizer que a pesquisa e a formação não podem ficar constrangidas apenas pelos modelos de consagração acadêmicos. Mas não apenas isso: significa dizer, também, que algumas regras importantes para a organização da formação no âmbito dos programas de pós-graduação (tempo de titulação, o aprendizado dos modelos consagrados de exposição etc) são, muitas vezes, prejudiciais á realização da pesquisa de ponta em vários campos do conhecimento.

A criatividade, a ousadia, a experimentação necessárias á produção do conhecimento científico de ponta exige, por suposto, uma sólida formação teórica e metodológica no campo em que pesquisador se insere. E a pós-graduação pode contribuir para isso. No entanto, quando o modelo e as estruturas de formação são erigidos como locus fundamental da pesquisa e quando as regras de formação se impõem à pesquisa, o resultado pode até ser o aumento do número de titulados, mas nada garante que de tal pesquisa resultará um conhecimento mais denso e inovador.

Repactuar a relação entre a pesquisa e a pós–graduação no sistema de ciência e tecnologia poderia ser, também, uma forma de refundar nossas universidades, hoje amplamente capturadas e dirigidas pela e para a pós graduação, em detrimento à produção de conhecimento que ocorre fora desses espaços, da graduação, á extensão e á própria administração universitárias. De nada adiantará falarmos de novas (ou não tão nova assim) exigências da/na produção de conhecimento como a inter ou transdiciplinaridade, da necessidade de aproximação da pesquisa com o mundo da produção ou das políticas públicas, ou, mesmo, da necessidade de um compromisso do pesquisador com a comunicação pública de sua pesquisa ou da universidade com a escola básica, se não mudarmos a estrutura que preside as nossas instituições.

* Uma versão desse texto foi publicada no Jornal Pensar a Educação em Pauta, n. 78, de 17 de abril de 2015.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *