Por trás dos atos desconfortáveis de Marta Lamas

Blanca Susana Vega Martínez

susanavega8@hotmail.com

Há alguns dias assisti a uma palestra magistral de uma renomada professora mexicana pioneira em questões de gênero e feminismo no México, sua idade aproximada é de 70 anos. E por que a sua idade importa? Talvez porque em seu discurso ela a utilizou para pensar a partir dessa posição os seus argumentos. Ela falou sobre o movimento #MeToo, porém mais além de suas reflexões sobre isso, eu quero me concentrar em uma coisa que me causou confusão.

A professora diferenciou o assédio sexual nas ruas dos atos desconfortáveis – como ela chama o que não passa de ser “uma situação incômoda”, como exemplos citou os olhares lascivos, um homem se inclinando em direção a uma mulher e encostando em seu corpo no metrô da cidade, ou, um piropo, que, no México, é uma expressão que é regularmente dita para uma mulher na rua, por um estranho, sem sua permissão, e que pode ser ofensivo.

Em sua palestra, ela deu sua opinião com suas próprias experiências: ela comentou que, ainda menina, ela também foi alvo de piropos, e que, além de ser ofensivo, isso a fazia rir; além disso convidou o público a agir em tom de escárnio quando um sujeito desconhecido colocar a mão no seu corpo, pensando com isso, na pobreza de sua sexualidade. Ou seja, que nós mulheres simplesmente zombemos deles, como se todas tivéssemos a capacidade de fazê-lo diante do súbito desencontro.

Antes deste discurso, surgiu em mim e em outras interlocutoras o seguinte: a alteridade parece ausente em seu discurso, sua experiência é alheia e distante, espacial e temporalmente falando do que outras mulheres têm vivido. Me vem à mente a imagem de uma menina de 12 ou 13 anos andando pela rua, qual é a reação de uma garota que está sendo julgada por um estranho e que diz alguma expressão ofensiva, ou um olhar lascivo? E talvez nem 12 anos, 20, 30, mesmo com 40 anos de idade, quando estou andando na rua, fico virando e pensando que talvez, na minha idade, eu ainda possa ser atacada e/ou assediada de qualquer maneira possível.

Por essa razão, seu discurso pareceu normalizador, e justificado por ser de outra geração, ao reconhecer que seus piropos eram divertidos, quando não se pode ver que não se trata de comparar(nos), os momentos históricos são distintos, inclusive para mim em relação às meninas 20 anos mais novas. Não se trata disso, mas de olhar para o que está por trás desses “atos desconfortáveis”, isto é, o medo, a insegurança, a vulnerabilidade que nós mulheres sentimos quando estamos em um lugar público e reconhecer que esse já não é mais um lugar livre para transitar.

Um ato desconfortável foi ouvir que certas ações exercidas pelo outro são minimizadas sem dar espaço para reagir, com poder na mão e objetificando as mulheres. Atos ou ações que não permitem que você habite no espaço público. Em geral, o discurso que escutamos me permitiu ver que, ante o fato de gozar de certos privilégios, sejam eles educacionais, institucionais ou econômicos, perdemos de vista o fato de que as mulheres continuam sendo objetificadas, assim como normalizando-se a violência exercida contra elas.

A ameaça de violência e o medo do inesperado é o que paralisa enquanto uma menina de 12 anos, ou uma jovem de 20 anos, caminha pelas ruas e cruza com um estranho de olhar lascivo. Com o desejo de estar errada, espero que um olhar lascivo, um toque, ou uma expressão obscena não se torne o preâmbulo de uma mulher assassinada, mutilada, estuprada ou desaparecida. Pode parecer um exagero, mas em um país onde mulheres e meninas estão sujeitas a tais violências, resta é pensar no pior.

Embora possamos divergir sobre o que é ou não é assédio, não podemos esquecer as condições das meninas e mulheres no México: feminicídio, violência, desigualdade e injustiça, para citar apenas algumas.

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