Convite à leitura: políticas curriculares, ensino médio e a questão da individualização

Roberto Rafael Dias da Silva

Recentemente foi lançada a segunda temporada da série “3%”, uma produção brasileira apresentada pela Netflix. Mesmo que não tenha sido considerada um sucesso pela crítica especializada, minha leitura é que este seriado é uma importante ferramenta para pensar a condição juvenil contemporânea, sobretudo no que se refere ao seu processo de constituição e a sua inserção no mundo do trabalho. Em forma de distopia, “3%” apresenta uma sociedade na qual aos vinte anos os jovens passam por um rigoroso processo de seleção, visando habitar um lugar chamado “Maralto”. Somente três por cento dos jovens alcançará este objetivo, permanecendo os demais destinados a seguir vivendo as agruras do Continente – terra em que todos nasceram.

Minha intenção aqui não é descrever os avanços entre as temporadas, nem mesmo sinalizar a composição das tramas de seus personagens. Desperta minha atenção a hipótese que se deriva da metáfora orientadora de “3%”: que o jovem contemporâneo é interpelado a agir em um mundo marcado por duras desigualdades através de soluções individualizadas. Apesar da criativa distopia que perfaz a estrutura dos episódios da série, entendo que por meio dela podemos pensar a própria escolarização juvenil. Seguem alguns exemplares para nossa reflexão.

A primeira dimensão que poderíamos sinalizar diz respeito ao posicionamento que responsabiliza os jovens pelo sucesso ou pelo fracasso de suas trajetórias. Sem dúvida que o jovem, historicamente, reivindica autonomia ou protagonismo para suas ações públicas; todavia, não podemos confundir autonomia com delegação de responsabilidade. Quando analisamos a publicidade que divulga as reformas para o Ensino Médio, em nosso país, não é difícil constatar tal responsabilização. Aprendi com a leitura das obras do sociólogo Danilo Martucelli que, nessas condições, “o indivíduo não é mais imaginado herdeiro de uma posição social, ele é tornado responsável pelas próprias aquisições”.

Da mesma forma que é possível observar em “3%”, podemos apontar que a individualização dos percursos tende a intensificar as desigualdades escolares, na medida em que é matizada pela responsabilização individual das trajetórias e pelo desencadeamento de novas experiências de injustiça. Importante salientar que precisamos construir uma crítica curricular deste cenário visando, sobretudo, um difícil equilíbrio entre universal e particular. Isto é, valorizar as potencialidades dos indivíduos, mas coaduná-las às possibilidades de uma formação coletiva, ancorada em uma pauta formativa comum.

É importante salientar que, no que tange ao contexto latino-americano, Martucelli descreve que as condições são mais perversas, na medida em que o Estado nunca produziu dispositivos de proteção aos seus cidadãos, aos moldes modernos. Na América Latina, o individualismo adquire outras conotações, visto que, diante de nossas “insuficiências institucionais”, os atores sempre precisaram lutar por si mesmos em torno dos recursos que demandavam para suas vidas. Na mesma perspectiva, o autor sugere que a singularização da vida seja reivindicada como pressuposto. Todavia, em cenários desiguais precisamos justapor a singularização a outros critérios.

Quando um indivíduo pede a uma instituição que o trate de maneira diferencial em função de suas atitudes ou dificuldades, essa aspiração é legítima. Quando as singularidades são utilizadas para gerar o desejo e a competição incontrolada entre todos e em todos os âmbitos sociais, é uma tradução que, do ponto de vista do coletivo, é negativa (MARTUCELLI, 2015, p. 103).

Em síntese, ao provocarmos nosso pensamento a partir da divulgação da segunda temporada da série “3%”, deparamo-nos com as articulações problemáticas entre individualismo e desigualdade. Em termos das últimas políticas destinadas à escolarização juvenil, reconhecemos como indispensável a promoção de uma crítica que valorize o protagonismo e a participação das juventudes; porém, que combata as formas de combate à desigualdade alicerçadas em soluções individualizadas.


Referências:

NOBILE, Mariana; FERRADA, Rocío. Entrevista a Danilo Martuccelli: La singularización en las sociedades contemporáneas: claves para su comprensión. Propuestaeducativa,  n. 43, p. 99-112, 2015.

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