Para que os elos não se rompam

Patricia Nery

Como garantir o direito de aprendizagem da leitura e da escrita às crianças em tempos e espaços outros, tão distantes do que até então conhecíamos?

Na Escola Estadual General Carlos Luiz Guedes,da rede pública estadual de Minas Gerais, essa preocupação esteve presente desde o início da suspensão das aulas, em razão da Pandemia pela COVID-19, em março deste ano.

Depois de um tempo à espera do retorno presencial às aulas, percebeu-se que era necessário e urgente redesenhar um modelo de escola com novas espacialidades e temporalidades para a realização dos processos de ensino-aprendizagem.

Um desses processos desenvolvidos na escola e coordenado pelo profº Robson Luiz Braga Abrantes consiste em um trabalho de intervenção pedagógica para os alunos e as alunas do segundo ano do ensino fundamental. Tal projeto chama a nossa atenção pela sua importância na garantia da aprendizagem da leitura e da escrita às crianças que se encontram no processo de alfabetização.

Diante do cenário disruptivo, os profissionais da escola colocaram em questão: que novas estratégias poderiam ser elaboradas para que não houvesse interrupção no trabalho de intervenção pedagógica com as crianças? Era necessário reconectá-las de algum modo a esse trabalho a partir do espaço íntimo de seus lares.

Com o intuito de conseguir apoio, Robson contatou a Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais (FaE/UEMG), por meio do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação e Linguagem (NEPEL), e, com a participação de duas professoras, fez o projeto chegar a um grupo de quatro estudantes do quinto período do curso de Pedagogia que aceitaram realizar, como atividade de estágio, o trabalho de intervenção pedagógica a distância com as crianças.

Do mesmo modo, o coordenador, com o auxílio da equipe da escola, contatou cada família, realizando visitas em suas casas para explicar e organizar com elas um horário para que as aulas do projeto pudessem ser retomadas.

As atividades foram desenvolvidas por videochamada, no WhatsApp, em horários diversificados. Algumas crianças eram atendidas pela manhã como relata Matheus, um dos estagiários, “[…] o encontro começava com uma chamada de Bom dia às 8h 15min e uma resposta Professor, bom dia. Pode começar” que vinha às 8h 30min. Outras eram atendidas no horário da noite, às 19h 30min, quando o celular podia ser compartilhado com alguém da família. Segundo Bruna Araújo, outra estagiária do projeto, esse era

[…] um momento em que as crianças já estavam cansadas, barulho presente nos ambientes habitados; além disso, a conexão nem sempre era das melhores […].

Esse compartilhamento do celular com os integrantes da família também ocorria com outras crianças do projeto, como relata Matheus:

A mãe dividia o celular com o filho, pois não queria que ele perdesse nenhum conteúdo. Apesar dessas dificuldades, ela incentivava a participação dele nas atividades desenvolvidas pela escola.

Foram em torno de quinze encontros os quais eram sempre iniciados com uma leitura literária, escolhida com bastante cuidado. Os estudantes buscavam levar às crianças narrativas que pudessem estreitar os laços e os espaços do ensino a distância, construindo com isso um ambiente no qual elas conseguissem se sentir confortáveis e seguras. Além disso, “[…] detalhes importantes como duração, coesão, contextualização com a vivência do aluno e possibilidades de trabalho”, de acordo com a estagiária Mariana, foram também considerados importantes para a escolha das obras. A atividade de leitura, porém, não deixou de ser um desafio, de acordo com Matheus, pois tratava-se de algo muito novo para ambos os lados: ler para/com a criança pela tela.

Além do uso de videochamadas, foram utilizadas para o desenvolvimento das sequências de aula, segundo Mariana “[…] correções, por meio de fotos, das atividades e também áudios explicativos e incentivadores”. Apesar dessas sequências já estarem estruturadas no projeto, os estagiários tiveram autonomia para alterá-las, modificando-as no que achassem necessário. Assim o fez Bruna Araújo, que preferiu trazer para os encontros palavras mais contextualizas nas culturas das crianças, e Bruna Machado que, além de destacar o trabalho com as rimas nos textos, utilizou “[…] recursos visuais como sites de jogos voltados para a aprendizagem dos conteúdos […]” com o intuito de manter a atenção das crianças nas tarefas propostas.

Apesar dos desafios enfrentados pela escola na construção de novos caminhos que pudessem dar continuidade ao trabalho de intervenção pedagógica, este não deixou de acontecer. Era necessário seguir… A força e a fé desse grupo de trabalho mantiveram as crianças coesas, motivadas e esperançosas.

 

ARAÚJO, Bruna Oliveira. Relatório de Estágio. FaE/UEMG, 2020.

BERNARDO, Matheus Rodrigues Dutra. Relatório de Estágio. FaE/UEMG, 2020.

MACHADO, Bruna Luiza Beloni Lopes. Relatório de Estágio. FaE/UEMG, 2020.

MIRANDA, Mariana Alves.Relatório de Estágio.FaE/UEMG, 2020.


Imagem de destaque: Marcos Santos/USP Imagens

 

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