Para o povo comemorar? Sociedades e festejos na capital do Império

Aline de Morais Limeira*

Gisele Teixeira Alves**

Ao longo da história do Brasil, houve grande esforço para que o Sete de Setembro se legitimasse como uma data de referência no calendário nacional, um marco para a Nação. Trata-se de um processo que resulta de múltiplas ações de pessoas e instituições, a partir da publicação de livros, criação de leis e decretos, inauguração de estátuas e realização de festejos diversos. Foi preciso enfrentar com afinco os riscos do esquecimento e as tensões resultantes das inúmeras narrativas críticas que circularam na época e posteriormente.

A partir do acontecimento da emancipação política, na capital do Império foram instituídas comunidades, agremiações e associações coletivas. Havia desde pequenas comissões locais (nas freguesias) à instituições formalizadas com sócios, diretoria, etc. Assim, a partir da década de 1830, começaram a surgir algumas associações dedicadas à comemoração das efemérides da Independência. As sociedades organizavam festas de caráter patriótico nas ruas da cidade, realizando queima de fogos de artifício, enfeitando praças, fachadas e coretos com iluminações, apresentações de música, poesia, peças de teatro e desfiles cívicos.

A Sociedade Comemorativa da Independência do Império (1867) foi uma dessas associações que, para realização das festividades, buscava angariar fundos, fazendo meninas vestidas de verde e amarelo saírem pelas ruas pedindo doações, prática semelhante utilizada pelos organizadores de ritos religiosos na época. Em alguns momentos, a Sociedade teve como patrocinadores grandes empresas como o Banco Mercantil, o que permitiu a realizações de festas com maiores proporções. Chegaram a alugar o Teatro São Pedro e as empresas de bonde transportaram gratuitamente alunos e alunas para o desfile.

As práticas comemorativas se constituíram em experiências políticas, culturais e educativas. Nestas solenidades havia a presença dupla da perspectiva educativa, ou seja, a educação era tomada como objeto de discursos celebrativos e, ao mesmo tempo, as práticas encenadas envolviam uma intencionalidade de educação da memória, para que fossem lembrados e festejados heróis, fatos e datas. O orador oficial da solenidade de 1888, o Visconde de Ouro Preto, por exemplo, destacou em seu discurso o quanto era importante melhorar o sistema educacional para o projeto de nação civilizada. Como ele, tantos outros intelectuais e políticos repetiam em suas narrativas a mesma e velha máxima: construir escolas para fechar prisões. Outra presença da Educação pode ser destacada pela participação das instituições escolares públicas e particulares em desfiles organizados por essas associações, prática que se tornou comum ao longo do tempo.

De modo geral, jornalistas da época relatavam com frequência que essas celebrações atraíam diferentes pessoas, um grande número de homens e mulheres que lotavam a praça da Constituição (atual praça Tiradentes e local onde foi inaugurada a estátua equestre de D. Pedro I em 1862) para o show da virada (noite do dia 6 para o dia 7 de setembro). Algumas vezes, a imprensa relatava de forma favorável esses eventos, vendo-os como demonstrações públicas de sentimentos patrióticos. Outras, narravam em tom depreciativo a participação popular, sobretudo a de negros, escravos, vendedores ambulantes e operários.

Havia incômodos também com o fato dessas celebrações serem organizadas por pessoas “do povo” que usavam os símbolos nacionais, os hinos pátrios e a bandeira nacional em seus carnavais exagerados, antiquados, ultrapassados e deselegantes ou desfrutes desgraçados.

Charge do jornal “O Mequetrefe”, Rio de Janeiro, 10 de setembro de 1885, Pg.7. Acervo da Biblioteca Nacional.

O povo, aqueles “typos salientes pelas ruas”, era diverso como parece sugerir a charge publicada no jornal O Mequetrefe. Segundo seus editores, o povo constituía um “borrão negro” que prejudicava o efeito da festa ou mesmo a razão para proliferação de doenças. Parece-nos que o interesse em popularizar os festejos da emancipação brasileira esbarrava nos agudos preconceitos, racismos e elitismos escravocratas presentes na sociedade Oitocentista.

Às vésperas do bicentenário (significativa, redonda e pomposa efeméride), a Independência nacional ainda precisa ser interrogada a partir de seus efeitos, exclusões, permanências, incompletudes. As práticas festivas ainda mantém velhas tradições, como as de (re)lembrar determinados cenários e heróis. O povo brasileiro, múltiplo em seus pertencimentos étnicos e culturais, essa gente desgastada pelo moinho da desigualdade social, ainda aparece como uma sombra, um corpo apagado da História do Brasil; ainda mais esquecido nas grandes festas da nação.

* Professora da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação (PROPED) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e integrante do Núcleo de Ensino e Pesquisa em História da Educação (NEPHE/URJ).

** Graduada em Direção Teatral pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) pós graduada em Arterapia na Educação e Saúde pela Universidade Cândido Mendes (UCAM), Mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação (PROPED) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Atua como professora de Artes Cênicas na rede Municipal de Educação do Rio de Janeiro.

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