Para além da escola: Memórias sobre a Extensão Rural e os jovens rurais

Leonardo Ribeiro Gomes

No início da década de 1980 um grupo de funcionários e ex-funcionários da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais – EMATER-MG deram início a um conjunto de ações visando a preservação da memória da Extensão Rural no estado mineiro. O objetivo do então nomeado Projeto Memória da Extensão Rural em Minas Gerais era preservar e ao mesmo tempo institucionalizar um espaço de reflexão dessa prática profissional e política que se desenvolveu em Minas desde o final da década de 1940.

Foi em Minas Gerais que por meio do convênio celebrado entre a American International Association for Economic and Social Development – AIA e o Governo do Estado, que ocorreu a oficialização do Serviço de Extensão Rural no Brasil, quando em 06 de dezembro de 1948 foi criada a Associação de Crédito e Assistência Rural de Minas Gerais – ACAR-MG, órgão que antecedeu a atual EMATER-MG.

Em 1998, quando das comemorações do primeiro cinquentenário do Serviço de Extensão Rural em Minas Gerais, uma série de eventos em torno daquela efeméride aconteceram na EMATER-MG. Dentre eles destacou-se a inauguração do Centro de Documentação e Pesquisa em Extensão Rural Engenheiro Agrônomo José Alfredo Amaral de Paula. O antigo Projeto Memória ganhava um espaço definitivo em local estratégico no hall da sede da EMATER-MG em Belo Horizonte, além de ter recebido uma organização técnica que envolveu uma equipe multidisciplinar coordenada pela historiadora e professora da UFMG, Maria Efigênia Lage de Resende.

Com o intuito de propor ideias, conhecimentos e ações que eram considerados modernos em relação às técnicas de produção e formas de vida no meio rural, uma equipe de extensionistas formada geralmente por um engenheiro agrônomo e uma economista doméstica, visitavam as propriedades rurais do interior mineiro. Ali, após conversas informais com os produtores, iniciava-se a elaboração de um Plano de Melhoria do Lar e da Fazenda. Enquanto o agrônomo atendia o homem, a economista doméstica acompanhava a dona de casa, como o objetivo de reforçar os papéis sociais e instruindo-os naquilo que era considerado pela filosofia extensionista como sendo o correto para os moradores dos meios rurais. Para cada um eram passados conhecimentos que visavam aumentar a produtividade agropastoril na propriedade, melhorar suas instalações e a qualidade de vida de seus moradores, uma vez que noções de higiene e saúde eram também objetivos a serem alcançados no conjunto de ações extensionistas.

A Extensão Rural é um tema em si dos mais ricos para o entendimento de uma das dimensões da História da Educação Brasileira pouco explorada, ou seja, o conjunto de iniciativas e práticas para além dos espaços escolares e principalmente em locais afastados dos meios urbanos. A sua diversidade de iniciativas e formas educacionais, merecem a atenção da comunidade historiadora da educação.

O acervo do Centro de Documentação da EMATER-MG disponibiliza para os pesquisadores um conjunto de documentos que percorrem as mais de seis décadas das práticas extensionistas em Minas Gerais e no Brasil.

Cabe citar que a experiência da ACAR-MG foi expandida para outros estados brasileiros. Já em 1956 foi criada a Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural – ABCAR, que reunia as entidades, que nos moldes da entidade mineira, buscava a modernização das práticas agrícolas e do lar no interior do Brasil.

Várias são as possibilidades para o resgate dessas práticas educativas não escolares no meio rural brasileiro. Estudos sobre Economia Doméstica, Habitação Rural, Produtividade Agrícola, Saneamento, Crédito Rural são algumas dessas alternativas de estudo. Entretanto, uma das várias ações da Extensão Rural em Minas Gerais e no Brasil que merecem aprofundamentos cada vez maiores trata-se da organização da juventude rural, por meio dos Clubes 4-S (Saber, Sentir, Saúde, Servir).

Iniciado também por Minas Gerais, nesse estado foi fundado em 15 de julho de 1952 o primeiro clube do país que reunia crianças e jovens em uma faixa etária alargada entre 8 e 25 anos, filhos e filhas de pequenos e médios proprietários rurais atendidos pela então ACAR-MG. Junto a esse público-alvo buscava-se desenvolver práticas agrícolas e de comportamento para que os jovens fossem os elementos de difusão de um novo modo de vida e de modernização das práticas agrícolas no meio rural.

Esses clubes não tinham ligações com a escola, apesar que desde a década de 1920 já existiam no Brasil os Clubes Agrícolas, nos quais os objetivos, eram vários aspectos, eram compartilhados nos Clubes 4-S. Mas enquanto os Clubes Agrícolas estavam ligados aos sistemas escolares, os 4-S não. Na verdade, os Clubes 4-S no Brasil seguiam o modelo dos 4-H Clubs dos Estados Unidos. Lá os clubes de jovens tinham como símbolo o trevo de quatro folhas com a letra H em cada uma. Os seus significados eram: Head (cabeça), Heart (coração), Hands (mãos) e Health (saúde). No Brasil, o símbolo 4-S era um trevo verde de quatro folhas com a letra S em cada uma, representando Saber, Sentir, Saúde e Servir, que significavam o desenvolvimento da inteligência, do corpo, da saúde e das mãos, que neste caso representava o fazer, como elemento considerado de transformação da comunidade.

O tema juventude rural foi uma das práticas extensionistas que mais chegou ao público em geral e talvez isso explique a preocupação desde os primórdios da Extensão Rural em Minas Gerais que os profissionais da ACAR-MG e EMATER-MG tiveram em preservar parte da documentação desse trabalho.

No acervo do Centro de Documentação há vasta documentação sobre os jovens rurais que envolvem jornais, revistas, programas, relatórios, folhetos, manuais e fotografias. Contribuir com a história da educação brasileira e nas suas diversas formas, incluindo aqui as não-escolares e de público muitas vezes relegado a segundo plano, como os moradores e moradoras dos meios rurais brasileiros, é o intuito que temos trabalhado em nossas pesquisas sobre os Clubes 4-S desde o Mestrado em Educação na FAE/UFMG.

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