O novo ensino médio: mudanças e incertezas 

Prof. Dr. Roque Lucio
Prof. Ms. Marcos Celeste

Em função da pandemia do novo coronavírus, o novo ensino médio começará a tomar corpo a partir de 2022.

Esta mudança se deve à aprovação da Lei 13.415, de 2017, que acrescentou o artigo 35-A e alterou os artigos 24, 36, 44, 61 e 62 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).

Em função destas mudanças, a partir de 2022 a carga horária vai aumentar para quem ingressar no ensino médio. Todas as escolas (públicas ou privadas) ampliarão a carga horária de 800 horas para no mínimo 1000 horas/aulas anuais (5 horas/aulas diárias), totalizando nos três anos do ensino médio 3.000 horas/aulas.

Das 3.000 horas/aulas, 60% do currículo (1.800 horas/aulas) será voltado para a formação básica, com conhecimentos obrigatórios previstos na Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

A Lei 13.415/2017 agrupou as disciplinas (ou componentes curriculares) oferecidos em quatro áreas do conhecimento: Linguagens e suas tecnologias (Língua Portuguesa, Arte, Educação Física e Língua Inglesa); Matemática e suas tecnologias; Ciências da Natureza e suas tecnologias (Biologia, Física e Química); Ciências Humanas e Sociais Aplicadas (Filosofia, Geografia, História e Sociologia).

Vale aqui ressaltar que a BNCC não exclui as disciplinas, mas disponibiliza esses conhecimentos de maneira interdisciplinar dentro de cada área do conhecimento.

As 1.200 horas restantes (40% do currículo) serão compostas pelos chamados itinerários formativos.

Os itinerários formativos são “caminhos” que a escola vai percorrer que aprofundarão os conhecimentos gerais de uma área do conhecimento por meio de projetos, oficinas, núcleos de estudos e até mesmo situações concretas de trabalho.

Estes itinerários serão escolhidos com base nos (supostamente) interesses dos alunos e a escola disponibilizará pelo menos dois itinerários distintos.

Além das quatro áreas do conhecimento acima referidas, pode ser oferecido o itinerário de formação técnica que passa a fazer parte do ensino médio, ou seja, aqueles alunos que não escolherem nenhuma das quatro áreas do conhecimento podem ter parte ou a totalidade de sua carga horária destinada aos itinerários formativos preenchida com cursos técnicos e de formação inicial ou continuada.

A legislação que determinou estas mudanças ainda prevê que, gradualmente, todas as escolas sejam capazes de oferecer aos alunos 1.400 horas/aulas anuais, ou seja, 7 horas/aulas diárias, tornando o ensino médio de tempo integral em todo País. Aqui temos um problema: o legislador não define com precisão como será este “gradualmente”. Será em 5, 10 ou 50 anos?

Estas mudanças tentam atacar dois sérios problemas: a evasão escolar e a falta de interesse dos alunos.

Entretanto, como preconiza a LDB: a educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. A cidadania é um conjunto de direitos e deveres civis, políticos e sociais exercidos pelos cidadãos que fazem parte de um determinado Estado.

Lembramos aqui alguns direitos sociais garantidos aos cidadãos: direito à educação, à saúde, à alimentação, ao trabalho, à moradia, ao transporte, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade e à infância, à assistência aos desamparados. Entre os direitos civis temos: direito à liberdade, à vida, à igualdade perante a lei, à segurança e à propriedade. Entre os direitos e deveres políticos, além do direito de voto em eleições (que compreende o direito de votar e ser votado), também constituem direitos políticos o direito de voto em plebiscitos e referendos, o direito de iniciativa popular e o direito de organizar e participar de partidos políticos.

  Elencamos abaixo algumas maneiras de se exercer a cidadania: alistar-se como eleitor; praticar a direção defensiva; cobrar promessas políticas; exigir cumprimento de serviços de órgãos públicos; respeitar o próximo; não destruir o patrimônio público; votar e ser votado; preservar o meio ambiente.

Já a reformulação curricular (BNCC), por sua vez, está voltada para o desenvolvimento de competências que nos remete a pensar que o Ensino Médio está direcionado a atender o mercado, ou seja, a qualificação para o trabalho; ficando prejudicado o preparo para o exercício da cidadania (formação do cidadão).

Supondo que o Ensino Médio estará a serviço do modo de produção capitalista, levantamos ainda as dificuldades que as escolas terão para viabilizar as trilhas de aprendizagem. Outro problema a enfrentar será a formação dos professores que terão dificuldades de trabalhar com as áreas do conhecimento, até porque não tiveram esta perspectiva na formação inicial.

Colocando-nos na perspectiva  dos alunos, nós tememos que poderá haver o aumento das desigualdades educacionais, ou seja, as escolas privadas implantarão itinerários das áreas de Matemática e das Ciências da natureza preparando seus alunos para o prosseguimento de estudos no ensino superior, nas carreiras de Ciências exatas (Engenharias) ou Ciências biológicas (Medicina) enquanto as escolas públicas  implantarão as áreas de Linguagens e de Ciências Humanas e Sociais que habilitarão os alunos a disputarem no vestibular vagas de profissões menos valorizadas pelo mercado. Outro fator que aumentará as desigualdades educacionais será a necessidade que terão os alunos oriundos das classes menos favorecidas de trabalhar, o que inviabilizará a permanência destes alunos na escola por 5 horas e que provavelmente extinguirá os cursos noturnos.

Sobre os autores
Roque é Doutor Políticas, Administração e Sistemas Educacionais. Autor dos livros A valorização do Magistério Público: uma análise dos reflexos e  Quatro modelos de municipalização do ensino no interior do Estado de São Paulo. 


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