O legado do padre Ibiapina nos sertões do nordeste: da Casa de Caridade do Assú ao Instituto Padre Ibiapina

Gilson Lopes da Silva

José Antônio de Maria Ibiapina, o Padre Ibiapina (1806-1883), nasceu em Sobral (CE), foi deputado, advogado e juiz de direito. Aos 47 anos abandona a vida civil e se torna padre decidindo peregrinar pelos sertões do Nordeste brasileiro evangelizando, e promovendo obras de ação social e educação. Padre Ibiapina esteve no Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Piauí e Pernambuco construindo açudes, cemitérios, capelas, cacimbas, igrejas, casas de caridade e colaborando na fundação de municípios. Sua atuação permanece na memória popular e pode ser observada através de visitas a lugares como o Santuário de Santa Fé, localizado no município de Solânea (PB), ou em outros lugares espalhados pela região Nordeste que trazem seu nome.

Suas missões mobilizavam as populações através dos rituais religiosos e dos mutirões de trabalho organizados para a execução das construções. Essas ações se caracterizam por uma religiosidade plural, dado que ele socorria os sertanejos através da caridade cristã, ao mesmo tempo em que executava ideais de civismo e produtividade. O período de atuação missionária do Padre Ibiapina (1856 – 1883), é marcado pela situação de miserabilidade e flagelo social ocasionados pelas sucessivas secas, que provocavam movimentos migratórios em direção às províncias.

As casas de caridade figuram como as principais obras e congregavam todo um ideal de vida que deveria ser seguido pelas irmãs e acolhidos. O modelo empregado nas instituições seguia um regimento interno elaborado pelo próprio Padre Ibiapina, pautado na orientação, regulação e moralização dos acolhidos através do trabalho, ancorado nas noções de civilidade, disciplina e utilidade social. Da Casa de Caridade de Santa Fé, na Paraíba, Padre Ibiapina acompanhava as outras instituições comunicando-se através de cartas com as superioras. Durante o itinerário de peregrinação do missionário foram construídas vinte e duas casas de caridade nos Estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. As primeiras instituições foram construídas no ano de 1860, em Gravatá do Jaburú (Taquaritinga do Norte/PE), e Santa Luzia do Mossoró (Mossoró/RN). As casas funcionavam como abrigo para moças e meninas pobres.

Padre Ibiapina chegou no Rio Grande do Norte em 1860. Além da Casa de Caridade de Santa Luzia de Mossoró, erigiu mais duas instituições em Açu e Acari. A primeira visita do padre a cidade de Assú ocorreu em 1862.Convicto de que o povo do município, temente a Deus, necessitava de seus préstimos fundou a Casa das Irmãs da Caridade atendendo a 30 crianças órfãs, orientadas pelas irmãs religiosas. A casa foi mantida inicialmente pela confraria do glorioso São João Batista.

A Congregação das Irmãs da Caridade dava instrução às moças pobres e tratava dos doentes desvalidos. Quando as acolhidas atingiam a idade de casar, o Procurador escolhia um rapaz honesto, bom, cristão e trabalhador. Feita a escolha, os jovens eram conduzidos à sala na presença do Procurador e da Superiora da instituição e se os dois se agradassem o casamento era realizado por conta da casa. No período em que estavam na casa de caridade, as jovens recebiam ensinamentos de flores, labirintos e bordados. Esse modelo de educação tinha a preocupação de prepara-las para desempenhar funções próprias do lar, adquirindo habilidades características ao modelo de mulher, esposa e mãe.

Até o fim da década de 1940, além dessa instituição socioeducativa funcionavam na cidade algumas escolas isoladas e rudimentares, o Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, construído em 1911, e o Educandário Nossa Senhora das Vitórias, instituição inaugurada em 1927, destinada à educação literária, cívica e doméstica das moças de elite da região e dirigida pelas Irmãs Religiosas da Congregação das Filhas do Amor Divino.

Contudo, diversos registros do Livro de Tombo da Paróquia de São João Batista de Assú demonstram um processo de decadência na manutenção e funcionamento da Casa de Caridade. D. Antônio dos Santos Cabral e uma comitiva de sacerdotes realizaram uma visita pastoral a cidade do Assú entre os dias 15 e 23 de julho de 1920. O registro feito pelo Padre Joaquim Honório da Silveira cita uma visita realizada na antiga Casa de Caridade, notificando que a casa foi encontrada em lamentável estado de desasseio e desorganização.

A instituição continuou funcionando precariamente até o ano de 1948. Nesse ano, foi fundado no dia 10 de outubro, no mesmo espaço, o Instituto Padre Ibiapina, com a finalidade de amparar os menores pobres e abandonados. Recebeu essa denominação com o propósito de dar continuidade aos ideias de promoção social empreendidos pelo Padre Ibiapina. A direção interna do Instituto foi confiada primeiramente às religiosas Filhas do Amor Divino, que ficaram na direção da casa até o ano de 1953. A partir de 1954, a direção passou ao Padre Hélio Alves e a paróquia.

O Instituto Padre Ibiapina funciona até os dias atuais como instituição particular ligada a Paróquia de São João Batista do Assú. Anualmente, parte uma caravana de alunos para visitar o Santuário de Santa Fé (PB), que reúne um complexo com a antiga Casa de Caridade de Santa Fé, a casa onde o Padre Ibiapina morou seus últimos anos de vida, uma igreja, um museu, uma pequena capela que guarda seus restos mortais, a casa que abrigava as beatas e outros prédios anexos. O Santuário do Padre Ibiapina recebe devotos vindos de cidades vizinhas e vários Estados do país. Os romeiros procuram o local para agradecer por curas obtidas graças à fé no Padre Ibiapina. O santuário visa preservar o legado e a memória do beato e sua passagem pelos sertões do Nordeste brasileiro, marcada por missões evangelizadores e ações socioeducativas.

Gilson Lopes da Silva – Graduado em filosofia pela Universidade São Francisco (USF/SP), especialista em Educação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela UNIFIEO (Osasco/SP) e mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PPGED/UFRN) na linha de pesquisa Educação, Estudos Sociohistóricos e Filosóficos.

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