O injusto ensino superior gratuito – exclusivo

Dalvit Greiner

Editoriais como o do jornal O Globo que opinam sobre educação são bastante esclarecedores. Não gosto daqueles discursos de lobos que se fantasiam de cordeiros tentando pregar peça na gente. O discurso direto é honesto e esclarecedor. E, convenhamos, nada mais direto e esclarecedor do que o editorial “Crise força o fim do injusto ensino superior gratuito”. Assim, temos certeza de que para as elites deste país qualquer ensino superior gratuito é injusto; qualquer ensino gratuito é injusto; qualquer ensino é injusto; qualquer gratuidade é injusta, na medida em que, “não existe almoço grátis”, frase e pensamento popularizado por Milton Friedman nos anos 1970.

Cabem então alguns esclarecimentos, se é que alguém da elite deste país nos lê aqui. Mas quem sabe nossas escritas aqui nesse espaço, que tem um caráter bastante formativo, seja lido e ouvido por alguém que ainda segue opiniões de jornais como O Globo. Nosso ensino superior, bem como qualquer etapa de nossa escolarização não é gratuita. Ele é pago, apesar de mal pago. Pago, obviamente, com o dinheiro de nossos impostos, aquele montante que não é desviado para nenhuma conta secreta na Suíça ou Panamá. Impostos, que como o próprio nome diz, é imposto a todos para o bem de todos e não apenas de alguns. Aqui, o critério de igualdade perante a lei é fundamental para que se construa um país justo. E aqui começa a injustiça do nosso ensino superior, na medida em que, a carga de impostos que recai sobre os ricos nunca é proporcionalmente igual a carga que recai sobre os pobres. Os pobres, em nosso país, pagam um volume e uma proporção maior de impostos que os ricos.

Num momento de crise financeira como o que passamos, o editorial menciona que “a lógica aconselha a que se busquem opções para financiar serviços prestados pelo Estado”, porém, é preciso lembrar que direitos sociais não são objetos de serviços prestados pelo Estado. Poderíamos fazer aqui uma pequena lista dos direitos que o povo brasileiro contratou com seu Estado que sustenta com seus impostos. Mas, não é necessário. Basta olhar o Art. 6º da Constituição Federal de 1988: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. Portanto, nossos impostos são recolhidos para proporcionar esses direitos sociais e todos os outros que pudermos conquistar em nossas lutas políticas e inscrevê-los na Constituição. Um bom governo sabe qual escolha fazer para respeitar a Constituição, porque sabe que o Estado não presta nenhum serviço, apenas garante direitos.

Quem presta serviços é o mercado. A ideia de que “Pagará quem puder, receberá bolsa quem não tiver condições para tal” nos remete a um problema que me cheira a corrupção geral neste país de necessidades. Quem decidirá quem paga? Neste caso, o mercado sabe, de antemão que o serviço será ofertado a quem tem condições de pagar. Não sendo um direito, mas uma troca e será justa e justificada através de um contrato particular. No caso de uma bolsa de estudos, quem decidirá sobre o titular da bolsa? O mercado, e neste caso não chamaríamos de bolsa, mas de descontos, promoção, etc. Ou seria o Estado? Se é o Estado quais seriam os critérios? Quem decidiria sobre esses critérios? A quem seriam aplicáveis? Assim como nas bolsas do ensino privado, a educação se tornaria um objeto de trocas e favores políticos? A vida ou a bolsa! Dá-me o voto de sua família e te dou uma bolsa de estudos. Com limites, é claro!

O editorialista, ao afirmar que a educação superior “favorece apenas os ricos, de melhor formação educacional, donos das primeiras colocações nos vestibulares” diz, ao meu ver, uma verdade. Porém, não são mecanismos de cobrança do ensino superior que vão corrigir o problema. Nem a bolsa, como vimos acima. O mecanismo deve ser outro. Contra a concentração de renda é preciso distribuir renda. Quando falamos de distribuição de renda não estamos falando de dinheiro vivo, em espécie, mas de manutenção e ampliação de direitos numa outra lógica. A lógica da isonomia. Ou seja, cuidar dos mais fracos para que se fortaleçam. Melhor dizendo: direitos sociais são “direitos que tendem a realizar a equalização de situações sociais desiguais, são, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade” (EUDES A. PESSOA).

Criar mais universidades públicas (de preferência com o dinheiro que vai para as privadas por meio do FIES, Prouni e etc.), criar mais vagas nas já existentes, interiorizar as universidades nos mais longínquos lugares, ofertar bolsas de manutenção (não de estudos) para que os filhos e filhas de trabalhadores não precisem trabalhar durante o dia e estudar à noite, remunerar melhor os docentes, formar melhores docentes e incentivá-los a se espalharem pelo país, investir muito nas universidades. São algumas medidas que requerem algum dinheiro.

Sempre estudei em escola pública: do ensino fundamental ao mestrado. É preciso agradecer aos milhares de contribuintes que pagaram meu almoço. Sei que preciso retribuir e, como cidadão, retribuo com alegria e prazer: pagando meu imposto e exercendo minha profissão da melhor maneira possível. Minhas filhas sempre estudaram em escola pública ou financiadas pelo Estado. Com dificuldades. Dificuldades que ainda se reproduzem hoje no Brasil, minimizadas aqui e acolá com alguma política de governo, não de Estado. Mas, não custa repetir: Um bom governo sabe qual escolha fazer para respeitar a Constituição, porque sabe que o Estado não presta nenhum serviço, apenas garante direitos.

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