O impeachment da Constituição Federal – exclusivo

Dalvit Greiner

Em minhas aulas de História com a meninada do ensino fundamental fazia contas das Constituições Brasileiras, abordando os procedimentos como foram construídas. Apenas para mostrar-lhes como sólidas instituições políticas geraram e geram constituições duradouras. Muitas das quais, se consolidam pela força física. Outras pela Democracia. Em quase duzentos anos de Estado, tivemos sete constituições. A mais duradoura foi a de 1824, outorgada por D. Pedro I, sofreu uma emenda e durou sessenta e cinco anos. A menos duradoura foi a de 1934, durou menos de três anos, pois não agradou ao presidente Getúlio Vargas que resolveu fazer outra por sua conta e risco. Das sete constituições, três foram outorgadas (1824, 1937, 1967 com um Congresso sob intervenção); as outras quatro foram votadas, mesmo sob uma Democracia cheia de reservas (1891, 1934, 1946, 1988).

De 1824 a 1946 tivemos quatro constituições que atenderam muito bem as elites. Tudo bem que parte dessa elite andou pegando em armas para fazer valer os “seus direitos”. Uma espécie de “dá o meu pedaço” que após dividido e ajeitado, a elite inteira se acomodou e aí tivemos 122 anos de constituições que se pareciam. Eram irmãs: filhas do mesmo pai tinham algumas diferenças entre si, mas eram moças casadoiras que interessavam aos filhos da elite. O contrário também é verdadeiro. Ou seja: à elite interessavam aquelas constituições.

A Constituição de 1946 nasceu com problemas. Era por demais democrática e social para a época, porém refletia a democracia que se exigia no mundo após os anos de fascismo e nazismo. Era o mundo do Welfare State que vinha se opor ao mundo soviético. Deputados comunistas, deputados socialistas estavam lá, presentes, defendendo princípios e ideias que faziam ver uma sociedade plural, apesar dos limites. E foi na vigência dessa constituição que aconteceu o Golpe Militar de 1964. Após o golpe, durou três anos e foi adequada à nova realidade do governo. Não do povo, pois o povo não estava lá, livremente representado, democraticamente poderoso.

Passados os vinte e cinco anos da Ditadura Militar –  gosto de contar até 1989 quando pudemos escolher diretamente nossos novos presidentes – fizemos em 1988 uma constituição. A Constituição Cidadã, que a elite insiste em reformar através de numa nova Assembleia constituinte ou como se tem feito no momento, com pequenas e impactantes PEC’s. Nas palavras de FHC esta é uma Constituição muito cara. Ou nas palavras do atual ministro da saúde Ricardo Barros: “A Constituição cidadã, quando o Sarney sancionou, o que ele falou? Que o Brasil iria ficar ingovernável. Por quê? Porque só tem direitos lá.” Tem direito social demais e o Tesouro Nacional não aguenta. Assim pensam os atuais ministros e o vice-presidente Michel Temer. Assim, o que deve ser uma carta de direitos, fundamental para qualquer nação, transformou-se, aos olhos da elite num problema que deve ser resolvido de maneira rápida e certeira.

Parece que a Constituição de 1988 não valeu. E não valeu por que o povo participou da sua discussão mais que nas outras. Ali registrou direitos fundamentais a toda pessoa humana. E mais, elencou direitos sociais com um único objetivo: cuidar das pessoas que constroem a riqueza desse país. Qualquer direito constitucional negado a qualquer cidadão é crime e retirá-los sob a pecha de que foram votados pelos senhores deputados representantes da nação é inconstitucional. Cabem aos deputados votarem o Orçamento da União. Apenas isso. Adequando o constitucional ao real, sem cortar direitos.

Não é uma escolha de Sofia. Os direitos fundamentais já estão lá e são inegociáveis como qualquer outro direito. Não é preciso matar a Democracia para garantir o Tesouro Nacional. É justamente o contrário. O Tesouro Nacional vai garantir a Democracia na medida em que, ao contribuir para diminuir as desigualdades sociais fortalecerá a comunidade. Uma comunidade livre de necessidades e pronta para votar livremente atingiu a plenitude da Cidadania. E não me venham com Economia e economês. Falemos de ISONOMIA, pois é para isso que a Constituição aponta.

Os últimos acontecimentos vêm deixando claro que o processo de impedimento não é da presidente eleita. É dessa Constituição como um todo: imperfeita como o gênero humano, mas melhor que as demais. A Constituição não está sendo rasgada. Ela vem sofrendo atentados desde que ficou pronta em 1988. Um golpe na Constituição é um golpe no Povo. Estamos chegando numa reta final que aponta um futuro perigoso ou, no mínimo, um não-futuro. Como regra, a Democracia não pode legislar contra si mesma: ao fazê-lo, deixa de ser uma Democracia. Portanto, considero já estar vivendo numa Ditadura.

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