O erro dos gestores que não conversam com os educadores

Marlos Mello

O debate em torno do que a escola deve ensinar e da qualidade do que é ensinado nas escolas continua a estampar páginas e páginas de distintos jornais, revistas, periódicos especializados, livros etc. Tal debate também aparece sob diferentes orientações políticas e educacionais que emergem recorrentemente em discursos e plataformas de governos e de gestores que de tempos em tempos assumem a pasta da Educação nos Municípios, Estados e no próprio Governo Federal.

No cenário mais geral, há um leque de visões e correntes teóricas que pretensamente colocam e consubstanciam certos modelos de gestão e de qualificação visando uma implementação prática nas escolas públicas e privadas. Geralmente as instaurações dessas políticas carregam consigo uma série de estratégias, metas, interesses, comportamentos, posturas etc. que são norteados pelos seus agentes e que podem expressar ou não o desejo, nem sempre transparente, de melhorar as escolas. No Rio Grande do Sul, pelo menos nos últimos 20 anos, vem se sucedendo uma alternância de gestores na Secretaria Estadual da Educação. A cada nova administração há a tentativa de implantação de reformas estruturais em âmbitos centrais da escolarização, isto é, nos aspectos pedagógicos, administrativos e financeiros das escolas. Por certo, tais medidas acabam intervindo diretamente nas políticas de formação de professores e no desenvolvimento de padrões curriculares, seja por pressupostos progressistas com vistas à promoção da intelectualização das competências, ou por iniciativas com foco no conteúdo escolar, na avaliação educacional, na inclusão digital etc.

Diante de disputas conceituais e ideológicas ocorreram alterações abruptas nas orientações das políticas educacionais e o ensino no Rio Grande do Sul passou a fazer parte de uma espécie de jogo de individualizações e de competitividade entre os entes responsáveis pela gestão da escolarização no Estado. Nesse sentido, a própria operacionalização da prática curricular foi colocada em segundo plano. Um exemplo dessa conduta administrativa são as reformulações curriculares produzidas pela Secretaria da Educação nos governos de Yeda Crusius (2007-2010) e de Tarso Genro (2011-2014).

No governo de Yeda Crusius, a Secretária da Educação Marisa Abreu lançou o “Programa Estruturante Boa Escola para Todos”. Tal programa pretendia e pregava abertamente o compromisso público-privado pela gestão escolar de qualidade. Utilizando-se de uma espécie de trocadilho, a Secretária afirmava: “se queremos educação de qualidade para todos, precisamos de Todos Pela Educação de qualidade”. Na sua justificativa para aprovação do projeto, a Secretária Marisa Abreu, apontava para a necessidade do Estado do Rio Grande do Sul assumir os planos e as metas do movimento civil e empresarial Todos Pela Educação (TPE) criado em São Paulo em 2006.

Originada no seio dos movimentos empresarias, o TPE se caracteriza, basicamente, pela divulgação de ações públicas e privadas que articuladas prometem a curto, médio e longo prazo garantir a melhoria da educação no Brasil, no entanto o movimento não apresenta os fundamentos, os princípios e nem as concepções para se concretizar um planejamento estratégico e diagnóstico visando melhorar a educação. Outro fato que se destaca é que a maioria dos seus integrantes não provém do cenário educacional, geralmente, são ações animadas por profissionais que atuam no setor jornalístico, financeiro, administrativo, jurídico, no mundo dos negócios, pessoas que ocupam ou ocuparam determinados cargos políticos nas esferas do poder municipal, estadual e/ou federal.

Uma das frentes do “Programa Estruturante Boa Escola Para Todos” foi a campanha Lições do Rio Grande. Tratava-se de uma coleção de materiais didáticos produzidos pela Secretaria da Educação com um referencial curricular e pedagógico apontando os planos de estudos e de avaliação que a categoria docente deveria aplicar nas salas de aula das escolas gaúchas. Para tanto, se propunha palestras com assessores do TPE para formação docente e a publicação dos “cadernos do professor” e dos “cadernos dos alunos”. A ideia da Secretaria da Educação era o estabelecimento de padrões curriculares que promovessem a concepção de conteúdos mínimos a serem ensinados e as aprendizagens indispensáveis para a escolarização. Os Cadernos do Professor também apresentavam detalhadamente as etapas, os passos e as tarefas que levariam os alunos à aprendizagem. Chama a atenção que em diversos momentos e de maneiras distintas os textos indicavam que a preocupação dos docentes deveria ser o pedagógico, pois as dimensões administrativas e financeiras seriam apenas os meios para alcançar as finalidades da escolarização.

Uma das primeiras medidas do governo Tarso Genro foi o rompimento com o TPE. Sob outra conotação ideológica, iniciou um processo de reestruturação trabalhando com a premissa de que as políticas educacionais não deveriam privilegiar a composição de padrões curriculares preestabelecidos. O Secretário da Educação, José Clóvis Azevedo iniciou o seu mandato pregando a necessidade de as escolas se transformarem em comunidades de aprendentes. Nessa proposta pedagógica, o foco da reformulação deveria ocorrer no Ensino Médio, configurando-se, então, uma ênfase centrada nas experiências culturais e interesses sociais dos alunos, pois, conforme justificou em várias palestras e textos publicados, “um padrão curricular tende a robotizar as mentes, reduzindo-as a formas homogêneas, à conformação com os supostos destinos, ao ajustamento dos pensamentos na lógica da obediência, da não proposição, da não formação de pensamento próprio”.

As palavras do Secretário José Clóvis Azevedo foram possivelmente inspiradas num documento publicado pela United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO) em parceria com o Ministério da Educação do Brasil em 2011, inicio do governo Tarso Genro, que se chamava “Protótipos Curriculares para o Ensino Médio”. Tal documento apresentava a formação politécnica como uma estratégia para preparação de uma estrutura curricular abrangente e integrada.

Aderindo a proposta da UNESCO, a Secretaria da Educação do Rio Grande do Sul colocou em funcionamento a proposta pedagógica do Ensino Médio Politécnico. Nesse sentido, a categoria docente foi informada que os novos gestores da política educacional do Estado haviam optado por uma metodologia que deveria privilegiar as atividades dos estudantes no desenvolvimento de suas capacidades e na construção dos seus próprios conhecimentos. Portanto, a partir dessa decisão, estava descartada oficialmente a ideia de se estabelecer um padrão curricular. Depois de absorvida a concepção metodológica da UNESCO, os docentes deveriam substituir os currículos tradicionais por projetos pedagógicos que incentivassem a integração dos conteúdos e a participação estudantil. Em tais condições, alunos e professores, fabricados na gestão de Clóvis Azevedo, seriam aprendizes permanentes e estariam habilitados para o enfrentamento das exigências do mundo do trabalho.

Os governos de Yeda Crusius e Tarso Genro findaram e nenhum dos dois alcançou a reeleição. Das suas administrações ficou a lembrança de que não resolveram os problemas da educação no Estado. Por certo, não cumpriram nem o pagamento do Piso Salarial do Magistério. Dos seus programas para melhorar as escolas ficaram as propagandas, os anúncios, as promessas. Sem a pretensão de compor um cenário comparativo entre essas gestões da Secretaria da Educação, mas atentando com criticismo sobre o período e as alterações abruptas nas políticas educacionais, promovidas de cima para baixo, é possível se perceber um interessante fenômeno que pode ser resumido em uma única frase: entraram sem pedir licença, não disseram a que vieram e foram embora sem deixar saudades.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *