O ENEM e o Ensino Superior no Brasil

Desde que foi transformado no principal instrumento de seleção para o acesso ao ensino superior, o Exame Nacional do Ensino Médio tem, a cada ano, recebido mais e mais inscrições. Neste ano foram mais de 9.500 mil jovens que se inscreveram no exame. Retirando alguns poucos milhares que fizeram o exame apenas para concluir o Ensino Médio, são 9 milhões que disputam menos de 2 milhões de vaga oferecidas no ensino superior público e privado. Ou seja, menos de 20% dos concorrentes conseguirão uma vaga.

Sabe-se, há muito, que o ensino superior brasileiro é um dos mais elitistas do mundo, refletindo diretamente as desigualdades sócio-econômicas, raciais e regionais que marcam nosso país. Soma-se a isto, que menos de 25% das vagas do ensino superior são ofertadas por instituições públicas, apesar de ser crescente a participação do financiamento estatal à iniciativa privada: segundo declarações recentes do Ministro da Educação, o estado participa, de alguma forma, no financiamento de quase 45% da vagas ofertadas, hoje, pela iniciativa privada.

 Diante deste quadro, é fundamental perguntar: o que e como fazer para que uma parte significativa dos jovens que fazem o ENEM consiga uma vaga no ensino superior? A resposta mais fundamental, e óbvia, é que é preciso aumentar o número de vagas do sistema. Se queremos chegar a níveis razoáveis de matrícula e freqüência ao ensino superior, é preciso mais do que triplicar as vagas hoje ofertadas. Certamente que, para isso, é preciso alocar mais recursos públicos no financiamento do ensino superior no Brasil. Parte da luta pela aplicação de 10% do PIB em educação tinha, muito acertadamente, esta intenção.

No entanto, praticamente todos os especialistas no assunto concordam que, mesmo com um aumento substantivo dos recursos públicos no ensino superior, não é possível criar vagas suficientes no atual modelo público universitário, para absorver a demanda apresentada, ainda mais considerando que esta tende a aumentar com a obrigatoriedade do Ensino Médio. A não ser que se aceite a opção, muito controversa, de se comprometer os necessários investimentos financeiros para a elevação da qualidade da educação básica no país.

Ou seja, ao mesmo tempo em que é preciso aumentar os recursos financeiros empregados na expansão no ensino superior público, é preciso também discutir mais profundamente o modelo em que se deve dar tal expansão. Expandir, simplesmente, as vagas do atual modelo público universitário pode ter o inconveniente do custo e, mesmo, da sua própria adequação.

É sabido que o modelo universitário de ensino superior, tal como se estabeleceu no mundo ocidental e é regulamentado legalmente no Brasil, está centrado na pesquisa e na formação de cunho acadêmico de seus alunos e professores. Tal modelo, mesmo quando as instituições de fato não logrem alcançá-lo, é de alto custo financeiro e dificilmente pode ser massificado, como atestam as experiências de praticamente todo o mundo. Do mesmo modo, voltado para a formação acadêmica e centralizado na pesquisa, tal  modelo oferece uma formação que, muitas vezes, não é necessariamente aquela buscado pelos jovens que a ela se dirigem.

Não há razão para não discutirmos mais profundamente sobre modelos alternativos para a expansão do ensino superior público no Brasil. Não é verdade que o único modelo de qualidade é o modelo acadêmico-universitário centrado na pesquisa e na pós graduação. Não podemos desconsiderar que este é um dos modelos historicamente construídos e que, em boa parte do mundo, quando se quis, de fato, expandir o ensino superior, buscou-se trabalhar com modelos híbridos de formação profissional e de formação acadêmica, mais ou menos articulados a depender de cada experiência específica.

A recusa em discutir sobre modelos alternativos, e de qualidade, para a expansão do ensino superior público pode custar caro ao país e, mais especificamente, aos milhões de jovens pobres que têm que pagar para ter acesso a um ensino superior de duvidosa qualidade. Pode significar, também, que sob o pretexto de defender a qualidade, nós estejamos, de fato, colocando sérias barreiras à expansão do ensino superior e contribuindo para a continuidade e expansão do financiamento público à iniciativa privado no Brasil.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *