O encontro entre os gêneros e as sexualidades em itinerários formativos da/na Educação Escolar Indígena

Paulo de Tássio Borges da Silva*

Durante mais de uma década, tenho tentado construir uma agenda de diálogos entre gêneros e sexualidades em itinerários formativos da/na Educação Escolar Indígena. A escassez dessa abordagem nos estudos etnológicos revela lugares ainda pouco confortáveis nas etnografias.

A entrada no campo indígena a partir de outras temáticas tem sido, muitas vezes, o caminho inicial para depois adentrar as questões dos gêneros e das sexualidades indígenas. E assim foi minha entrada, direcionada pela temática geral da Educação Escolar Indígena. Acredito que as poucas análises neste campo caem naquilo que venho operando¹ numa perspectiva derridiana (DERRIDA, 1994), de uma vinculação espectral de “perdas culturais” em torno das identidades indígenas, nas performatividades de gêneros e sexualidades que destoam da heterossexualidade. Nesta perspectiva, não reiterar uma binariedade de gênero e uma heterossexualidade tornaria o indígena menos “puro”.

Os próprios documentos curriculares para a Educação Escolar Indígena não mencionam questões de gênero e sexualidades, o que não quer dizer que não são compostas produções curriculares acerca dessas questões nas comunidades. Cada vez mais crescem os grupos de mulheres nas comunidades. No caso Pataxó, grupo que venho trabalhando desde 2006, há jovens discutindo a diversidade sexual, sobretudo na internet, onde temos o canal no Youtube “Papo de Índio”, em que o youtuber é Pataxó e se assume como bissexual. Em seu canal, o jovem apresenta três vídeos com jovens indígenas LGBT, o primeiro com uma jovem do Povo Tupinambá, que se nomeia como bissexual, o segundo com um jovem indígena do Povo Chiquitano do Mato Grosso, que se assume como não heterossexual, mas sem fixar em uma identidade sexual específica, e o terceiro com um jovem do Povo Boe Bororo, do Mato Grosso que se assume como homossexual.

Ainda tímidas, tais discussões são tomadas como menores, como coisas sem muita importância, instaladas por vivências externas. De certa maneira, a negação de performatividades não heterossexuais em contextos indígenas tem servido a discursos que buscam provar a ausência da homossexualidade, por exemplo, em comunidades tradicionais, alegando tais performatividades como “anormais”.

Na busca por compreender como o dispositivo de sexualidade vem tentando regular e normalizar as identidades indígenas no Brasil, tenho perseguido trabalhar com categorias que não sejam colonizadoras das sexualidades indígenas, entendendo que o termo “homossexualidade indígena” leva a uma concepção binária com a “heterossexualidade indígena”. Tenho optado, também dentro de uma perspectiva derridiana (DERRIDA, 1997), o uso do termo “sexualidades indígenas indecidíveis”, percebendo estas como “condições de possibilidades”. A esse termo, voltam-se ainda reflexões do que se vem sendo chamando de um “queer indígena”, categoria esta que o movimento Two-Spirits já tem criticado, apontando-a como mais um conceito colonizador.

Coloco o desafio e a problemática ao se eleger o termo “queer indígena” para se referir às mais de 300 etnias indígenas em território brasileiro com performatividades de gêneros e sexualidades das mais distintas entre si. Neste sentido, diante das reflexões, tenho optado por ora em tratar a questão como “sexualidades indígenas indecidíveis”, entendendo-as como “não-conceitos”, como “condições de possibilidades”.

Vale dizer que de maneira alguma se nega o fato de que se pensar as sexualidades indígenas como “indecidíveis” também faz parte de uma regulação e tentativa de normalização, sendo mais uma tentativa discursiva de captura localizada naquilo que Foucault chama de “dispositivo de sexualidade”. De todo modo, adotar sob rasura a categoria “sexualidades indígenas indecidíveis” só não será colonial se dialogar com as fronteiras e os cruzamentos em que os povos indígenas se encontram e desejam estar.

¹ Apontei tais reflexões no paper apresentado no Seminário “Foucault na Amazônia? Sexualidades Indígenas”, organizado pelo NanSI/PPGAS-MN/UFRJ, NAIPE/PPGSA-IFCH/UFRJ e CesTA/USP, em 2015, no Rio de Janeiro, organizado por Luisa Elvira Belaunde, Elsje Lagrou e Marina Vanzolini.

Referências:

DERRIDA, Jacques. Espectros de Marx. Tradução de Anamaria Skinner. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994.

DERRIDA, Jacques. A farmácia de Platão. Tradução de Rogério da Costa. São Paulo: Iluminuras, 1997.

*Professor Adjunto na UFSB


Imagem de destaque: Canal Papo de Índio / Divulgação

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *