O Bicentenário no Rio de Janeiro

Cíntia Borges de Almeida

“Abram as portas para o Bicentenário do Brasil. O Estado-Nação faz 200 anos”! Dando um giro pelo país, hoje, o foco será o Bicentenário no Rio de Janeiro.

Isso significa fazer uma viagem pelas ruas da cidade, que foi capital do Brasil por quase dois séculos (1763-1960), tendo sido palco do separatismo político nacional, naquele momento, chamado independência (1822), impulsionado por uma elite social e econômica que não estava interessada pelo restabelecimento dos laços coloniais. Mas, de que independência estou falando? Os territórios e a população brasileira tornaram-se livres? Há de se pensar que a independência política trouxe, em certa medida, a dependência de um modelo civilizatório imposto por essa mesma elite aos povos originários, de diferentes culturas, fazendo-se inculcar um tipo de padronização da educação, de hábitos, de comportamentos.

Sobre territórios, a problematização já começa quando reduzimos nossos olhares para a Corte, “invisibilizando” outros processos e lutas pela emancipação das demais localidades da província/estado, compartilhando uma versão da estória contada pelos livros de história que nos foram apresentados em nossa época de escola. Por sorte, melhor dizendo, por competência, hoje, já temos um número significativo de especialistas se debruçando sobre essas “histórias locais”. Lançarei o desafio para quem conhece o assunto, com profundidade, escrever sobre tais territórios.

Voltamos para a capital. Sim, vocês e eu. Escrever sobre O Bicentenário no Rio de Janeiro requer compreender a complexidade existente nos estudos históricos e educacionais que envolvem a diversidade da capital deste estado: Corte e regiões consideradas periféricas no Império; centro urbano, áreas rurais e/ou subúrbios na República, contexto no qual já podemos compreender melhor essa divisão entre o chamado urbano e as áreas suburbanas. Contudo, leitoras e leitores, ainda assim, correrei um certo risco de deixar particularidades e especificidades fora dessa “caixa” apresentada. Mas, a complexidade não para por aí.

Da “independência” para o seu Centenário. Apesar de, na Política, independência estar relacionada à soberania nacional, conceitualmente, esse termo trata do estado ou do caráter de liberdade, de autonomia, de emancipação, o que é contrário ao ato de alienar. Aqui, proponho que pensemos a respeito da condição da educação formal.

Repensar a educação formal e o processo de escolarização exige de nós compreensão sobre a institucionalização da escola pública como um dispositivo de governo, mas também, uma demanda da sociedade civil. A escola foi arquitetada, inicialmente, como um espaço de controle dos corpos e das ideias, principalmente, para as camadas populares. Penso que, amparada nos conceitos de “tática” e “estratégia” de Certeau, os usos e as apropriações feitos sobre a obrigatoriedade do ensino por diferentes grupos, permitem reconhecer essa política educacional como um direito social, uma conquista da própria população.

Sem tentar transformar a história da educação em algo linear, vale destacar que esse debate seguiu posto até a chegada do Centenário, reaparecendo às portas do Bicentenário; ainda que com transformações, algumas rupturas e muitas permanências. A necessidade de termos – nós educadoras e educadores – que discutir e reafirmar o direito à educação e à escola para o povo, me faz voltar a questionar o conceito de independência. Em quais espaços e para quais públicos ela efetivamente aconteceu?

Neste “Rio” recortado por mim, poucos dias antes da “comemoração” do Primeiro Centenário da Independência do Brasil, foi instituído um projeto de lei submetido pela Câmara dos Deputados que seria enviado ao senado para apreciação e possível implementação. Insatisfeitos com os rumos que a instrução primária tomava e, junto a isso, com os problemas alavancados pelos altos índices de analfabetismo na capital nacional, mais uma vez, o debate sobre a necessidade da difusão do ensino popular, como aconteceu anos a fio posteriormente à Independência e à Lei Geral do Ensino (1827), repercutiu entre os membros dos poderes públicos.

A ampla demanda estabelecida pelo projeto de lei abriu possibilidades para que eu estabelecesse relações com outras inúmeras tentativas legislativas que investiguei, que também visaram a criação de órgãos administrativos e fiscalizadores para a educação, bem como incentivaram a ampliação do ensino elementar a partir da implementação da instrução obrigatória. Propostas que vislumbraram a ampliação do direito à educação e a melhoria das condições dos espaços escolares, da materialidade escolar, das condições de trabalho das/dos docentes.

Em meio às festividades do Centenário da intitulada Independência do Brasil, mas também, às crises e aos conflitos políticos anunciados no ano de 1922, este projeto de reforma do ensino foi publicado pelos jornais cariocas, mostrando, a partir da sua disseminação e divulgação na imprensa, que uma parte da sociedade brasileira, supostamente, se preocupava com sua população, mas, principalmente, com os entraves que a falta de escolarização trazia para o seu progresso.

Estamos vendo repetir a mesma história? No caso da região metropolitana, não posso negar as conquistas alcançadas no sentido da oferta de uma educação escolar mais democrática. Apesar de ter visto as escolas ao alcance de um maior número de grupos populares, vejo também, e não foram poucas as vezes, os jornais cariocas divulgando conflitos políticos e, em alguns deles, pautas atuais que trazem a educação em destaque. Não podemos esquecer outros projetos apresentados, não mais próximo ao Centenário, mas sim, às portas do Bicentenário, defendendo, por exemplo, a “Homeschooling”, tensionando, mais uma vez, uma discussão sobre um suposto monopólio estatal na política da obrigatoriedade do ensino indo de encontro ao ensino livre ou à liberdade do ensino (já vimos essa discussão antes).

Vivenciamos um contexto em que outros membros dos poderes públicos, por via de uma comissão da Câmara dos Vereadores da “Cidade Maravilhosa”, denunciam a falta de estrutura e condições de higiene dentro das escolas públicas cariocas. Sim, não são discursos higienistas do século XIX ou início do século. Estou falando do século XXI. Do ponto de vista em foco, não há o que se comemorar!

Mas, esta é mais uma história dentre tantas outras possíveis de serem noticiadas. Lanço um convite à pesquisadora Camilla Gomes e ao pesquisador Fernando Santos para promoverem outros giros de O Bicentenário no Rio de Janeiro, trazendo novos debates, a partir de outros olhares, que nessas linhas não foram contemplados. Esperamos vocês no próximo número da Coluna Bicentenário em Foco. Até lá!


Imagem de destaque: Charge do Jornal O Malho. Rio de Janeiro, 16 de setembro de 1916. Acervo Biblioteca Nacional Digital. http://www.otc-certified-store.com/women-s-health-medicine-europe.html https://zp-pdl.com/emergency-payday-loans.php https://zp-pdl.com/online-payday-loans-in-america.php https://zp-pdl.com/get-a-next-business-day-payday-loan.php http://www.otc-certified-store.com/migraine-medicine-usa.html

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *