O Bicentenário da Independência e a negação do abandono

Paloma Rezende*

Para falarmos de assistência à infância no bicentenário da independência, nos remetemos ao passado colonial, no qual foram criadas as “rodas dos expostos ou enjeitados”, atreladas às Santa Casa de Misericórdia. Estas permaneceram por muitos anos como as principais instituições de atendimento às crianças abandonadas, mantiveram-se durante todo o Império, só sendo extintas na década de 1950. Isso demonstra que mesmo com a secularização do Estado, na República, a Igreja continuou atuando no setor da assistência. Em Minas Gerais, observamos ainda neste período a expansão de Congregações religiosas, que mantinham escolas paroquiais, asilos e associações voltadas para pobres e órfãos. Curiosamente, o Brasil foi o último país a acabar com as rodas de enjeitados e a abolir a escravidão.

Embora a defesa do direito da criança no espaço público apareça no decreto imperial de 1854, de Couto Ferraz, o qual enfatiza a admissão de meninos “pobres e indigentes” que vagavam pelas ruas, nas instituições de ensino elementar, esta mesma lei proibia que as crianças escravizadas frequentassem as escolas. Em 1874, o projeto de lei do ministro João Alfredo, isenta o poder público de sua responsabilidade, autorizando a aplicação de verbas para a infância pobre, por meio de donativos e de auxílios prestados por associações de beneficência.

Embora a infância sempre tenha sido objeto dos discursos de atores públicos e privados, estes ganharam mais espaço e uma nova dimensão na década de 1870, com os debates sobre emancipação do ventre das mulheres escravizadas. Diversos projetos e medidas surgiram, voltados para a proteção e educação dos “ingênuos”. A sociedade que se propunha moderna e republicana vê emergir uma “nova” criança que conquistou espaço nas ruas e nas instituições. Com isso, instaurou-se como necessário o aprendizado e difusão de hábitos de higiene, sociabilidade e educação para a vida pública, à luz do discurso de juristas, médicos e educadores.

A criança que era considerada “moralmente abandonada” e “potencialmente delinquente” deveria passar por instituições de prevenção, garantindo que ao invés de ser uma “célula do vício”, ela se tornasse o “futuro da nação”. Assistirmos, nestas falas de juristas do período de transição do Império para a República, a periculosidade ser atrelada à infância das classes populares. A questão educacional, por sua vez, despontou no novo regime de uma reflexão política sobre a fragilidade dos processos decisórios sustentados pelo discurso de um “povo sem instrução”.

Se pensarmos a assistência à infância, hoje, podemos notar que a emancipação da criança, enquanto sujeito de direitos, não se deu antes de forma tão efetiva como agora. Contudo, ainda nos deparamos com situações que violam seus direitos, tais como a exploração do trabalho infantil, a violência física e o abuso sexual, denunciadas pela mídia e muitas vezes ocultadas pelo poder público. E, apesar de algumas conquistas no campo educacional, como a obrigatoriedade da educação básica e o direito à creche, não mais vista apenas como lugar de “cuidado”, mas como espaço de educação integral, ainda não temos o acesso às creches e escolas de educação infantil públicas como uma realidade para todas as crianças. Esse atendimento, em sua maioria, ainda fica a cargo da iniciativa privada, embora a comprovada necessidade de sua gratuidade, principalmente para as famílias das classes populares e trabalhadoras.

Duzentos anos após a Independência, estas crianças e suas famílias continuam clamando por igualdade e justiça às margens, nada plácidas, da sociedade. Não fujamos à luta!

* Professora da UEMG – Carangola


Imagem de destaque: Numa Aula de Bordados. Reportagem “Sem pai, sem mãe, sem carinho!” de Amorim Neto. Jornal O MALHO, Ed. 1515 ano 1932 p.1-2. Acervo da Biblioteca Nacional. http://www.otc-certified-store.com/muscle-relaxants-medicine-europe.html https://zp-pdl.com/online-payday-loans-cash-advances.php https://zp-pdl.com/online-payday-loans-in-america.php zp-pdl.com

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